No distante 4 de junho de 2019, o havaiano John John Florence derrotava o americano Kolohe Andino para vencer o Margaret River Pro, na Austrália, quarta etapa do circuito mundial de surfe daquela temporada. Não faz nem dois anos, mas parece outra vida. Pandemia? Era mais um assunto de filme de ficção. Jorge Jesus nem havia estreado como o técnico que levaria o Flamengo a ganhar (quase) tudo naquela temporada (Firmino e o Liverpool tiraram a cereja do topo do bolo). E mais importante para o microcosmo do esporte das ondas: aquela foi a última final de etapa na World Surf League sem a presença de um brasileiro. Desde então, uma bandeira verde e amarela sempre esteve a tremular no pódio, sempre foi ouvido um “valeu galera!” no discurso da cerimônia de premiação. Na madrugada desta segunda-feira, a dose foi dupla: Filipe Toledo e Tatiana Weston-Webb venceram o evento de Margaret River (olha a coincidência) do circuito mundial – ou seria brasileiro?
No fim de março, enquanto preparava uma matéria de apresentação da retomada do circuito mundial de surfe, com quatro etapas em sequência na Austrália, perguntei a nomes como Gabriel Medina, Italo Ferreira e Adriano de Souza se os surfistas australianos levariam alguma vantagem por competirem por tantos eventos seguidos em casa e, mais importante, em um ritmo de treino forte, enquanto os demais competidores precisariam passar por uma quarentena de 14 dias devido aos protocolos sanitários de Covid-19. Como eu estava enganado… e eles, certos, porque as respostas foram confiantes, de que haveria tempo para retomar a melhor forma física e competir de igual para igual. Três etapas já se foram, com vitórias de Italo, Medina e, agora, Filipinho. No feminino, Tatiana, que vai disputar as Olimpíadas de Tóquio junto com Italo, Medina e Silvana Lima, emplacou sua segunda final seguida, com um vice e agora um título.
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O domínio é impressionante. No masculino, são nada menos que 11 finais seguidas: sete na temporada 2019 e quatro em 2021 (não houve circuito em 2020 por causa da pandemia). Italo, Medina e Filipe cada vez mais se consolidam como os nomes a serem batidos na WSL, criando uma disputa caseira que deve incomodar demais os gringos, no mesmo nível que nos enche de orgulho. No ranking, são três bandeiras verde-amarelas no topo: Medina em primeiro, Italo em segundo, Filipe em terceiro. No feminino, Tatiana aparece em segundo, atrás da havaiana Carissa Moore.
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A julgar pelo nível de surfe que apresentou em Margaret River, Tatiana vai entrar como séria candidata ao título mundial no WSL Finals – o evento decisivo que vai reunir as cinco melhores do ranking na Califórnia, em setembro. Surfando de backside (de costas para a onda que quebrava para a direita), a “havaiana-brasileira” mostrou força, talento e coragem para aplicar batidas fortes na finalização de suas ondas. Foi uma vitória incontestável sobre a australiana heptacampeã mundial Stephanie Gilmore. Este foi o primeiro triunfo de Tatiana no circuito desde 2016, e o primeiro de uma brasileira desde 2017, quando Silvana Lima levou a melhor na etapa de Trestles, na Califórnia. Aquele campeonato havia sido também a última dobradinha brazuca, pois Filipe Toledo venceu no masculino.
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E coube a Filipinho voltar a fazer parte de uma dobradinha com o triunfo nesta madrugada. O paulista de 26 anos estava um pouco ofuscado pelos desempenhos de Medina e Italo na Austrália até então, mas acordou justamente no evento em que não era tido como favorito. Ao mesmo tempo em que é apontado como um dos melhores surfistas do mundo em ondas pequenas e médias, com uma combinação imbatível de velocidade e talento, Filipinho vive ainda com a desconfiança por não ter apresentações consistentes em ondas grandes – especialmente no “olimpo do surfe” que é Pipeline, no Havaí. E a previsão prometia ondas enormes para Margaret River, um pico com características de “mar aberto”, com volumosas e poderosas paredes de água. Pois Filipinho brincou nessas paredes, especialmente na final, rasgando as ondas com força e precisão cirúrgicas. Derrotou com sobras o sul-africano Jordy Smith – que havia sido também sua vitíma na decisão de Trestles em 2017.
Na semana que vem começa a última etapa desta perna australiana – o Rottnest Pro, em uma ilha que fará sua estreia no circuito. Onda nova, condições desconhecidas, uma boa oportunidade para um evento com surpresas. Mas se me pedirem para apontar ao menos um dos finalistas, eu iria na “bola de segurança”: Medina, Italo ou Filipinho. E o resto que lute.
Fonte: O Globo