Antonio Carlos Naine atuou por cerca de cinco anos como coordenador médico do Bonsucesso. Permaneceu na função até o jogo contra o Sampaio Correa, no último 4 de outubro, pela Série B1 ? a terceira divisão do Carioca. Era ele, portanto, o responsável por conferir os exames de RT-PCR realizados pelos atletas e comissão e validar a relação dos aptos para as partidas, conforme protocolo da Federação de Futebol do Rio (Ferj). Só que, mesmo após sua saída, o clube seguiu apresentando atestados com seu carimbo e assinatura por mais 11 jogos, até o fim da competição.

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O Bonsucesso é uma das duas agremiações investigadas pela Delegacia de Defraudações da Polícia Civil do Rio por suspeita de falsificação de testes de Covid-19. O outro é o Mesquita, que disputou a Série B2 (quarta divisão). Além dos dois, caso recente ocorreu no Cascavel Clube Recreativo, que joga o Paranaense. A preocupação de entidades que investigam e punem esportivamente é haver outros casos sem o conhecimento das autoridades ? o que abre brechas para uma “contaminação em manada?, caso haja infectado.

? Nossa preocupação maior é que, ao fraudar exames, você coloca em risco a vida de várias pessoas, não só dos envolvidos numa partida. E esbarra num crime de saúde pública. Não é só infração disciplinar ? diz a presidente do Tribunal de Justiça Desportiva do Rio, Renata Mansur. ? Se dois casos chegaram ao nosso conhecimento, imagina quantos outros podem haver?

 

No caso do Bonsucesso, Naine explicou em depoimento que não tinha mais vínculo com o clube e que não era dele a assinatura nos documentos anexados às súmulas nas rodadas seguintes. Ao examinar um deles (contra o Angra dos Reis, em 17/10) foi taxativo ao dizer que, além de “parecer xerox?, a rubrica era diferente. A denúncia partiu dos beneméritos do clube, que perceberam que a assinatura de Naime constava na súmula após sua saída.

No Mesquita, uma das provas mais contundentes é a presença da assinatura da ex-gestora do controle de qualidade do laboratório usado pelo clube, vinculado à faculdade Unigranrio. Seu nome constava em dois lotes de exames apresentados antes dos jogos de 29 de dezembro e 7 de janeiro. Detalhe: ela já havia falecido.

? Ficou provado que aqueles laudos apresentados não correspondiam à verdade. Havia número de pedido duplicado, questões do sistema do próprio laboratório incompatíveis com o que constavam no documento ? afirma o auditor Rodrigo Octávio Pinto, responsável pelo inquérito conduzido pelo TJD-RJ. ? O diretor do laboratório nos apresentou exame legítimo e confrontou com um apresentado pelo Mesquita indicando vários pontos que denotavam, de fato, falsificação

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O inquérito concluiu que, ao todo, 57 exames foram falsificados. A 7ª Comissão Disciplinar do tribunal suspendeu os dirigentes do Mesquita. Apontado como cabeça do esquema, o gestor do futebol Antônio Carlos Dias foi afastado por três anos e 11 meses e multado em R$ 30 mil. O ex-presidente Cleber Louzada e o atual Ângelo Benachio (à época vice) foram considerados corresponsáveis e afastados por 120 dias.

? Eles mostram não ter noção da gravidade de não se fazer o exame. Porque me parece que a questão de fundo é economizar. Uma das razões levantadas, no caso do Mesquita, foi essa: ?Ah, mas os clubes menores não têm recursos financeiros. São muitos atletas para fazer exame?. Isso requer recurso e eles não têm condição. Mas, quando você pensa no universo de propagação do vírus, vê que não há condições de se não fazer o exame. Porque é um risco de contaminação em manada caso haja um infectado ? argumenta Renata Mansur.

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Um inquérito relacionado às fraudes no Bonsucesso também foi aberto pelo TJD/RJ. Mas encontra-se em estágio inicial, no aguardo do sorteio do relator.

Este temor de falsificações sem o conhecimento das autoridades também acometeu a Federação Paranaense de Futebol e a Polícia Civil do estado. A FPF afastou quatro atletas do Cascavel CR antes do jogo contra o Athletico, no último dia 22, pelo Estadual, por suspeitar dos laudos.

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Após detectar indícios de falsificação, a FPF contatou o laboratório responsável pelos testes e descobriu que nenhum deles havia passado por exames. E mais: na verdade, foram 14 os testes falsificados. O caso foi entregue à Polícia Civil, que abriu inquérito para apurar não só este episódio.

“Nós também temos a preocupação de que em outros jogos esta situação tenha ocorrido. Sendo assim, vamos verificar se aconteceu falsificação de exames em jogos já realizados?, afirmou o delegado Luiz Carlos de Oliveira, em nota.

O TJD do Paraná puniu o clube com 180 dias de suspensão (cumpridos apenas após todos os recursos serem esgotados) e multa de R$20 mil. Considerado responsável, o membro da comissão Anthony Perekles recebeu 360 dias de gancho e multa de R$ 10 mil.

Por envolver uma situação específica dos tempos de pandemia, o caso é inédito para a Justiça Desportiva. Não há artigos específicos para ele. O que os tribunais têm feito é aplicar o 234 (“falsificar documento público ou particular?) e o 258 (“conduta contrária à diciplina ou à ética desportiva?). Além disso, como ultrapassam a esfera do desporto, os casos são encaminhados ao Ministério Público. Procurado pela reportagem, contudo, o MPRJ diz ainda não ter sido aberto nenhum procedimento específico para apurar fraude em testes de Covid-19.