O Brasil tem o curioso hábito de dividir as Copas do Mundo entre vitórias e fracassos. Não há meio termo, como, aliás, raramente há em nossa forma de enxergar futebol. E como as derrotas futebolísticas nacionais exigem culpados, o passo seguinte costuma ser buscar bodes expiatórios. Não satisfeitos em apontar os culpados e submetê-los à condenação sumária, desqualificamos carreiras inteiras, interditamos ou, para usar um termo da moda, cancelamos o vilão da vez.

Se por um lado não terá Neymar, por outro a final da Liga dos Campeões pode prestar um serviço ao futebol brasileiro: oferecer a lição de que é preciso lançar um olhar mais racional sobre o jogo e seus personagens, reconhecer que não se chega na elite sem uma lista considerável de virtudes. Fernandinho e Thiago Silva serão, sob este aspecto, personagens sob medida.

O ex-defensor do Fluminense chegou a ser tratado como personagem de anedota porque cometeu o pecado de chorar. Um choro, aliás, do qual o país inteiro era sócio. Da arquibancada às ruas, passando pela imprensa e chegando à concentração da seleção, todos cercamos o time que disputava o Mundial do Brasil de um ambiente insano de salvação nacional através da Copa. Até que, numa agônica decisão por pênaltis, consideramos uma afronta um atleta desabar. Faz parte de um processo de desumanização do jogo.

Evidente que é cabível discutir se o capitão da seleção, em especial daquele time tão pressionado, deveria ser capaz de suportar o peso. Ou encontrar em dois toques precipitados de mão, um numa Copa América e outro numa Liga dos Campeões, argumentos para enxergar em Thiago Silva certa instabilidade. Mas como somos insaciáveis, terminamos por nos atribuir o direito de anular virtudes técnicas, liderança e até sua aptidão para competir em alto nível. Como se Milan, Paris Saint-Germain, Chelsea, Massimiliano Allegri, Carlo Ancelotti, Laurent Blanc, Unai Emery e Thomas Tuchel fossem todos equivocados ao escalar Thiago com faixa de capitão nos principais torneios de clubes do planeta. E nós, os únicos aptos a avaliá-lo.

Com Fernandinho, o país fez mais do que transformá-lo num dos vilões de uma das maiores derrocadas coletivas que já se abateram sobre um time de futebol num Mundial. Quatro anos depois, a inquisição nacional decidiu que um desvio acidental, seguido pelo pecado de não ter jogado no chão um jogador de físico tão privilegiado quanto Lukaku, tiravam de Fernandinho algo mais do que a legitimidade para jogar pela seleção, ou até mesmo para jogar futebol. Sua família ouviu ameaças e o jogador foi alvo de ofensas raciais.

Provavelmente, toda essa gente conheça mais de futebol do que Pep Guardiola. Pois o melhor treinador do mundo escolheu Fernandinho, aos 36 anos, para ser titular do jogo mais importante da história do Manchester City. E, diga-se, como capitão. E, acrescente-se, com atuação soberba.

O Brasil os condenou, a elite do jogo sempre os respeitou, e o tempo desmoralizou nossa cruel cultura do cancelamento. No dia 29, um dos dois irá levantar o maior troféu de clubes do futebol mundial. É possível que, por aqui, muita gente prefira lançar o olhar para o outro, para o derrotado. Como forma de sustentar que tinha razão.