O rápido colapso da Superliga, celebrado como uma vitória de forças contrárias a uma apropriação indevida do jogo, pode também conduzir a um engano. Soa reconfortante que 12 dos clubes mais ricos do mundo não tenham transformado o futebol em negócio privado, mas é fato que seguimos vivendo uma realidade brutalmente imperfeita. A Superliga parecia radicalizar desigualdades, mas o futebol é hoje um jogo fraturado, concentrador de riquezas em níveis elevadíssimos. A ponto de comprometer não só as disputas esportivas, mas a nossa relação com vitórias e derrotas.

Mesmo que distante do nível de arrecadação da elite europeia, o futebol brasileiro vive este processo. No livro “Pep Guardiola, a Evolução?, o escritor espanhol Marti Perarnau chama de “Bulimia de Vitórias? um fenômeno comum aos superclubes europeus. De tão ricos, geram expectativas quase inatingíveis. Neste contexto, vencer não satisfaz mais, porque imediatamente se pensa na próxima conquista como obrigação e, na derrota, como algo constrangedor para times tão poderosos. É difícil ter prazer.

Há pouco mais de dez dias, o Brasil exaltava a qualidade de jogo oferecida por Flamengo e Palmeiras na decisão da Supercopa. Desde então, os clubes mais ricos e mais vencedores do país nas últimas temporadas viveram trajetórias similares.

Atual bicampeão brasileiro, o Flamengo perdeu para o Vasco e viu seus reservas empatarem com a Portuguesa, dias antes de encerrar um período de 39 anos sem vencer na Argentina pela Libertadores. Até Arrascaeta desferir o chute que derrotou o Vélez Sarsfield, o rubro-negro era um clube rodeado por discussões: se Rogério Ceni é capaz de dirigir o elenco, se Arão pode ser zagueiro, se Diego pode ser meia, se Everton Ribeiro anda cansado…

Três dias após jogar bem e ver a Supercopa escapar nos pênaltis, o Palmeiras, atual campeão da Libertadores e da Copa do Brasil, perdeu outra taça nas penalidades e poupou titulares em tropeços pelo Paulista. Até conseguir duríssima vitória no Peru. Em meio a jogos quase diários, houve pichações no CT e acaloradas discussões sobre a capacidade de Abel Ferreira. A vitória em Lima não bastou, afinal os ricos precisam vencer com estilo.

É óbvio que a capacidade de analisar times além dos resultados é saudável, mas o Brasil, que tem a insanidade como traço cultural, vê as disparidades econômicas acrescentarem um novo ingrediente ao seu ecossistema futebolístico: a nossa versão da bulimia. Desde que deixou o campo na Argentina, o Flamengo, que tem seus desequilíbrios táticos, foi alvo de generosos elogios por toda a América do Sul. Mas criamos um ambiente em que é difícil desfrutar até de algumas vitórias. Mais duro ainda é digerir tropeços, como indica a pressão sobre Cuca, que dirige há apenas sete jogos o Atlético-MG, mas lida com a expectativa gerada pelo imenso investimento no elenco.

Se a construção de abismos econômicos já é ruim, agora o Brasil vê a disparidade turbinar o imediatismo numa temporada atípica e que mal começou. No futebol, o dinheiro costuma trazer felicidade, mas não elimina os processos por trás da construção de times.