A liga pirata proposta por 12 dos maiores clubes do mundo é uma ideia que provavelmente faz sentido sob vários aspectos, em especial aqueles em que o esporte e o entretenimento convergem. Organizar um camarote vip para um número exclusivo de equipes, cuja atração principal é a repetição dos eventos mais interessantes que o jogo pode oferecer, é uma garantia das diversas receitas resultantes de um espetáculo inalcançável para outros protagonistas. Considerando a estagnação competitiva dos campeonatos nacionais e a insatisfação desses rebeldes com a Liga dos Campeões no ponto de vista econômico, a tal Superliga é um lugar onde eles podem se encontrar e se divertir, faturando valores pornográficos em troca de conteúdo premium-premium-premium.

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Ocorre que o produto que esses clubes apresentam é um tipo muito peculiar de entretenimento. Se o assunto não fosse futebol, coisas como a Superliga não só seriam inevitáveis, como estariam aí há muito tempo. De fato, estão, em outras modalidades esportivas que não possuem o apelo cultural global de um jogo que é uma metáfora da vida. Há uma razão pela qual o futebol é o único esporte coletivo em que é possível ser amplamente superior e ser derrotado, em que um instante tem a capacidade de reescrever tudo o que aconteceu antes, em que as noções de merecimento e esforço precisam ser aprendidas todos os dias. A conversão do futebol em puro showbiz é inviável porque a essência do jogo, ou seja, a forma como as pessoas se relacionam com ele, não reconhece essa redução.

A não ser, é claro, que essa conexão mais do que centenária seja rejeitada pelo público que a arquitetou e substituída por um passatempo. Com clareza: seria a morte do jogo. Acima de ganância, elitismo ou egoísmo, o projeto da Superliga representa uma violência ao espírito do jogo de futebol como se conhece há séculos, pela ideia de transformar partidas em séries de televisão e times em elencos de dramaturgia. Não é coincidência que três dos líderes do plano de rompimento sejam executivos americanos, proprietários de clubes ingleses.

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Stan Kroenke, dono da companhia que controla o Arsenal, também administra times da NBA, NFL e NHL. Malcolm Glazer manda no Manchester United e no Tampa Bay Buccaneers, último vencedor do Super Bowl. John W. Henry comanda o Liverpool e o Boston Red Sox, histórico time de beisebol.

As ligas esportivas dos Estados Unidos, modelos de organização e exploração comercial, são lojinhas fechadas que nasceram em seus próprios contextos e ambientes. Merecem admiração e aplausos, por óbvio, mas o que vendem não tem qualquer relação com o futebol. Daqui a cinco anos, os clubes rebeldes podem concluir que a criação de um gol que vale dois aumentará a popularidade do jogo, e estabeleçam uma linha de 35 metros de distância da meta. Ou inventem uma substituição temporária para um jogador habilidoso entrar em campo apenas para bater uma falta. O que os impedirá?

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O futebol pertence aos jogadores e a quem é capaz de sonhar, especialmente as crianças. Este é o tecido do jogo, que precisa ser protegido a qualquer custo.