Quatro dos seis clubes ingleses que fazem parte da criação da Superliga, em conflito com a Liga dos Campeões da Europa, estão fora da zona de classificação para a Champions da próxima temporada. O cenário atual envolvendo Liverpool, Chelsea, Tottenham ? que demitiu o técnico José Mourinho ? e Arsenal é significativo diante do debate sobre ausência de meritocracia no movimento. O bloco de 12 ainda tem Manchester United, Manchester City, Milan, Juventus, Inter de Milão, Real Madrid, Atlético de Madrid e Barcelona.
Argumentos esportivos ecoam pelo mundo da bola, torcedores protestam, como fizeram fãs do Liverpool, mas o alicerce da iniciativa é dinheiro. Inglaterra, Itália e Espanha foram terreno fértil porque os clubes fundadores da Superliga veem em si a capacidade de geração maior de receita se negligenciarem o modelo atual da Champions.
Entenda: Por que a Superliga europeia pode dar problema
O banco americano JPMorgan, por exemplo, concordou em investir um total de 4 bilhões de euros na Superliga. O aporte inicial seria de 3,5 bilhões e os 500 milhões restantes viriam para despesas adicionais. Não é doação, mas um empréstimo fechado a uma taxa de juros entre 2% e 3%, para um prazo de 23 anos.
A discussão a respeito da Superliga vem de longa data. Embora a Covid-19 tenha piorado o quadro financeiro, o desejo de turbinar as receitas apostando em jogos de clubes de elite é anterior. Jornais europeus noticiaram movimentos mais concretos desde 2016.
Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e também presidente da Superliga, chegou a ter uma reunião com os argentinos River Plate e Boca Juniors em novembro de 2019. Na pauta, uma possibilidade de que o bloco europeu se juntasse aos sul-americanos em uma associação mundial que também organizaria um torneio. Até agora, isso não andou.
O papo entre River, Boca e Florentino foi na Fifa, que hoje se diz contra a criação da “liga separatista fechada?. Ao sediar o encontro, o presidente Gianni Infantino tentou trazer para perto de si uma discussão que poderia minar os planos de criação do novo Mundial de Clubes. A pandemia, por si só, atrapalhou o projeto da Fifa.
A Conmebol ficou enfurecida com a Infantino. A visão do presidente Alejandro Domínguez era a de que não poderia haver essa reunião sem conhecimento dele. Nos bastidores, o dirigente ainda colocou o em xeque as intenções de Florentino Pérez por crer que ele não se importava nem com os clubes europeus, quanto mais com os sul-americanos.
Os brasileiros estavam fora da equação, por mais que o Flamengo tenha tentado se aproximar durante o Mundial de Clubes, no Qatar.
Na América do Sul, iniciativas como a Superliga europeia passaram longe de prosperar. Em 2016, os clubes chegaram a criar a Liga Sul-Americana. Na raiz do movimento, a tentativa de aumentar as receitas. Havia uma insatisfação com o que a Conmebol pagava na Libertadores. A origem do movimento foi na Argentina e Uruguai.
? Foi em um momento em que o Juan Ángel Napout tinha acabado de cair (ser preso pelo escândalo do Fifagate). O Alejandro chegou à Conmebol e fizemos parte da negociação dos direitos de TV ? explicou ao GLOBO Daniel Nepomuceno, então presidente do Atlético-MG.
Em 2016, a Conmebol distribuiu US$ 92,1 milhões em cotas na Libertadores. Em 2019, o bolo chegou a US$ 161,9 milhões e hoje está em US$ 168,3 milhões. Com a variação do dólar frente ao real, esse valor passou a ser ainda mais significativo para os brasileiros, que, ainda em 2016, já tinham desembarcado da Liga Sul-Americana.
O presidente do Grêmio, Romildo Bolzan, foi eleito vice da Liga Sul-Americana, tentou mobilizar os pares, mas não conseguiu. No Uruguai, o empresário Paco Casal tentou colocar combustível para a criação de um torneio concorrente à Libertadores. A iniciativa se dissolveu em cerca de seis meses.
? Praticamente não avançou no Brasil. Era algo bem diferente do que vimos que estão fazendo na Europa ? disse o presidente do Flamengo na ocasião, Eduardo Bandeira de Mello.
Entre os dirigentes sul-americanos, há uma percepção: o que se paga é compatível com a Libertadores. Além disso, o contexto econômico menos abastado na comparação com os europeus inibe inssurreições contra as entidades organizadoras dos torneios.
No Brasil, há uma dificuldade para se fazer em movimentos de menor escala do que a continental, e a Primeira Liga é uma prova disso.
Enquanto olha o cenário pegar fogo, a Uefa urra. Depois de anunciar o novo formato da Champions, o presidente Alexander Ceferin reforçou ataques que envolvem a ameaça de banimento de clubes e jogadores que disputarem a Superliga.
? Todos os jogadores que participarem da competição não poderão representar a seleção. As confederações estão de acordo com isso. Não sabíamos que existiam cobras perto de nós ? disse o presidente da Uefa, referindo-se aos dirigentes dos clubes envolvidos.
Fonte: O Globo