As reuniões secretas culminaram em um comunicado público que agitou ontem o mundo da bola. Doze dos principais clubes de Inglaterra, Espanha e Itália se uniram para criar a Superliga. Na prática, uma declaração de guerra ao atual modelo da Champions League da Uefa e quase independência das ligas nacionais. Tirar o plano do papel está longe de ser algo simples.

O bloco é formado por Milan, Arsenal, Atlético de Madrid, Chelsea, Barcelona, Inter de Milão, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Real Madrid e Tottenham. Eles não querem abandonar as competições de seus respectivos países. Mas o passo dos clubes rumo à realização da Superliga já rende ameaças de punição e exclusão de torneios por parte da Uefa e das ligas nacionais.

O grupo que se uniu anunciou o formato da competição que planeja colocar em marcha “tão logo seja possível?. A ideia para o torneio é ter 20 clubes, com jogos nos meios de semana. Boa parte está no papel, a ideia é começar em “um agosto”. A contragosto de quem comanda o futebol.

? Fala-se de Superliga há mais de 20 anos na Europa. Uma coisa é anunciar um projeto completo, outro é vê-lo realizado. Vai levar muito tempo antes de assistirmos à primeira partida da Superliga. Para mim, parece tudo muito nebuloso ainda, com clubes associativos, como Real Madrid e Barcelona, e outros de investidores privados ? disse ao GLOBO Umberto Gandini, ex-diretor organizacional do Milan e ex-membro da Associação Europeia de Clubes (ECA, sigla em inglês).

O bloco atual de membros da Superliga espera acrescentar mais três à condição de “fundadores?. Para fechar os 20 participantes por torneio, a proposta é puxar outros cinco por critérios alcançados anualmente. Não há previsão de rebaixamento.

No momento, eles não virão de França e Alemanha. A ideia inicial era convencer Bayern de Munique e Paris Saint-Germain, que fazem parte do bloco de clubes com maior valor de marca, segundo estudo da KPMG. Mas houve recusa.

Modelo da Superliga Foto: Editoria de Arte
Modelo da Superliga Foto: Editoria de Arte

Nada de rebaixamento

À frente da Superliga está Florentino Perez, reeleito para ser o mandatário do Real Madrid até 2025. Ele tem como vices Andrea Agnelli, presidente da Juventus, e Joel Glazer, um dos donos do Manchester United.

Glazer é americano, assim como os donos de Liverpool, John Henry, e Arsenal, Stan Kroenke. Logo, parte do DNA da Superliga vem de uma cultura que exporta exemplos como NBA e NFL.

? Alguns dos novos donos dos clubes são americanos e estão acostumados com um modelo vencedor de liga, onde não tem rebaixamento e os contratos de TV são cada vez maiores. Só que por lá a estrutura de formação de atletas vem basicamente das universidades. No futebol, depende de um ecossistema de clubes ? disse Gustavo Hazan, gerente sênior da área de esportes da EY.

A promessa é que a competição renderá mais que a Champions, com rendimentos “superiores a10 bilhões de euros durante o período de compromisso inicial dos clubes?. Os fundadores ainda receberiam 3,5 bilhões para apoiar investimento em infraestrutura e para compensar o impacto da pandemia da Covid-19.

? No primeiro momento, tenderia a ser uma competição estrelada, de clubes ricos e turbinados com mais dinheiro. Encheria estádios e teria enorme valor de direitos de transmissão. Mas como não existem 15 candidatos ao título, a competição com o tempo também perderia o interesse em vários lugares. A Champions é forte porque leva equipes que podem vencer. Isso aumenta interesse e dinheiro. Uma vez estática, tende à concentração e menos dinheiro no tempo ? avaliou o economista César Grafietti, do Itaú BBA.

Vai ter punição?

A Uefa adotou tom pesado para criticar a iniciativa dos 12 clubes. A entidade continental prometeu esforços conjuntos com as outras ligas nacionais “para parar esse projeto cínico, fundado em interesses próprios de poucos clubes em um momento em que a sociedade precisar mais do que nunca de solidariedade?.

Além de ameaçar os clubes, a entidade citou jogadores que participarem da Superliga como passíveis de banimento de “todas as competições da Uefa e Fifa, europeias ou internacionais?.

? A redução de dinheiro no resto da estrutura afetará formação de atletas. E ainda tem potencial impacto de restrições da Fifa aos atletas. Todos acabam perdendo: a Copa do Mundo que ficaria sem grandes nomes e os grandes nomes que ficariam sem Copa. E isso tem enorme impacto financeiro nas estruturas do futebol ? completou Grafietti.

 A Uefa valorizou a decisão de alemães e franceses de não aderir ao movimento tachado como separatista. A Federação Francesa de Futebol e a Liga de Futebol da França emitiram nota conjunta e disseram que “sonhos hegemônicos de uma oligarquia resultarão no desaparecimento de um sistema europeu que permitiu que o futebol se desenvolvesse sem precedentes no continente?. A Fifa, por sua vez, se disse contra uma “liga separatista europeia fechada?, fora das estruturas futebolísticas.

? A questão central reside na eterna divergência entre a autonomia que os clubes endentem ter para definir sua própria vida, por um lado, e por outro na existência de um sistema federativo fechado que não permite competições entre clubes que não sejam autorizadas por federações ou confederações. Caso seja efetivamente levado adiante o plano de constituição da Superliga, haverá reação imediata da Uefa e Fifa e poderemos ter a maior batalha legal no futebol mundial desde o conhecido caso Bosman, que redundou na extinção do passe ? disse o advogado Eduardo Carlezzo.