O bom do futebol é que às vezes os resultados contrariam a lógica. De outra forma, Flamengo e Vasco, que se enfrentam nesta quinta-feira, às 19h, no Maracanã, pelo Carioca, nem precisariam entrar em campo: baseada na invencibilidade de cinco anos e na inquestionável superioridade técnica rubro-negra, era mais fácil computar logo os três pontos na conta da equipe de Rogério Ceni. Fica a pergunta: quando será a próxima vez que o Clássico dos Milhões será disputado sem depender de uma zebra para o cruz-maltino ser o vencedor?

Para uma possível resposta, é preciso voltar até 2016, última vez em que os clubes de maior torcida do Rio estiveram em condições de maior equilíbrio. Em abril daquele ano, a equipe da Colina venceu o rubro-negro por 2 a 0, na semifinal do Carioca. Foi a última vitória em uma sequência de nove partidas, em que o Vasco venceu seis e outras três terminaram empatadas.

Naquela época, o Flamengo já tinha condição financeira melhor que a do rival. A distância, porém, era consideravelmente menor que a atual: os gastos rubro-negros com salários do futebol naquele ano foram apenas 1,4 vezes maior do que os vascaínos.

Os anos se passaram, o rubro-negro passou a investir mais (em 2019, os gastos do Fla com salários passaram a ser 2,7 vezes maiores do que os do rival) e isso se refletiu em campo: nas últimas 17 partidas, foram nove empates e oito vitórias do Flamengo, seis delas de 2019 para cá.

A retomada de um maior equilíbrio em campo passa pela diminuição da superioridade financeira do Flamengo, algo que não depende apenas do Vasco melhorar suas finanças. Ainda que cresça, o time da Colina verá o rubro-negro ainda mais distante se o atual campeão brasileiro crescer numa proporção ainda maior.

? Costumo dizer que o problema do Vasco é que, para ele voltar a ser financeiramente forte, tudo tem de dar certo, o tempo todo, por muito tempo. E quando se compara com o Flamengo, fica muito difícil. Com ambos na Série A, o Flamengo gera três vezes mais receitas de TV, mais patrocínio, associação, bilheteria. Não tem como competir ?afirma Rodrigo Capelo, jornalista especializado em finanças do site ge.

? Dá para o Vasco aumentar o faturamento dele? Sim. Dá para chegar minimamente próximo do Flamengo? Acho que não e isso é motivo de bastante desânimo para o torcedor do Vasco ? completa Capelo.

O clube se apega a uma ideia de potencial próprio mal explorado e também à esperança de que o Flamengo não consiga crescer financeiramente da mesma maneira por muito tempo. Isso poderia fazer com que a diferença na proporção dos gastos com futebol, por exemplo, diminuísse.

? Eu acredito que, fazendo o trabalho certo, em quatro ou cinco anos o Vasco consiga começar a reduzir essa diferença, porque não vejo o Flamengo sendo capaz de expandir ainda mais suas receitas a médio prazo ? afirmou Carlos Aragaki, sócio líder de Esporte Total da BDO, responsável por auditar as contas do Vasco: ? Ao mesmo tempo, um clube que chega a R$ 1 bilhão de receitas, como o Flamengo, pode virar empresa, lançar ações, e ter um novo boom de arrecadação.

Ainda assim, em um cenário hipotético em que o Flamengo atinja um teto em termos de capacidade de receitas e, consequentemente, investimento no futebol, o caminho do Vasco para tentar igualar a proporção que existia em 2016 promete ser longo.

Para se ter uma ideia, levando-se em consideração os balanços dos clubes pré-pandemia, se o Flamengo estabilizar os gastos com salários no futebol no patamar de R$ 250 milhões por ano, o Vasco precisaria elevar o seu até R$ 178 milhões para retornar à proporção (1,4) de quando emplacou a última invencibilidade contra o arquirrival.

Isso pode levar muito tempo, dependendo da capacidade do cruz-maltino de acelerar a tão prometida recuperação financeira. Caso o clube de São Januário permaneça com um aumento nos gastos com futebol na escala de R$ 7,3 milhões a cada ano, ritmo apresentado entre 2016 e 2019, ele alcançaria a diferença que teve em relação ao Flamengo cinco anos atrás apenas na temporada de 2033.