Com o Brasil na pior fase da pandemia da Covid-19, o temor de que a variante brasileira do novo coronavírus se espalhe tem prejudicado a preparação dos brasileiros para os Jogos Olímpicos de Tóquio. Atletas e seleções estão com dificuldade para viajar para treinos e torneios, em muitas ocasiões cancelados. O Comitê Olímpico do Brasil (COB) admite que a “falta de ritmo de competição” a cerca de 130 dias dos Jogos Olímpicos é a maior preocupação, além, é claro, da saúde dos integrantes do Time Brasil.

?  Competir faz parte do processo de preparação nessa fase. Ao longo dos últimos anos, a grande maioria dos atletas se acostumou com esta condição para adquirir ritmo. Mesmo aqueles que ainda buscam a classificação ? admite Jorge Bichara, diretor de esportes do COB. ?  Está igual para todo mundo? Sim, é uma verdade porque a quantidade de competições diminuiu no mundo. Mas, os processos de intercâmbio para treinamento em conjunto, para os europeus, estão acontecendo. Eles conseguem realizar pequenos torneios e assim, estão mantendo condição de excelência na preparação.

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Bichara evitou falar em discriminação com atletas do Brasil. Disse que, a partir de agora, quando o calendário de competições está aquecido, poderá ter noção se a pandemia no país afetará ainda mais a preparação para Tóquio.

?  Não sinto preconceito, ainda, porque as regras normalmente são iguais para todos. Claro que existe receio, perguntam dos nossos protocolos, criam outros, mas no geral, os atletas do Brasil são muito bem recebidos ? garante ?  Nos preocupa se outros fatores restritivos forem impostos agora por causa da condição sanitária no Brasil.

Ághata, do vôlei de praia: Catar recebeu ainda competições de tênis de mesa e maratona aquática, mas vetou a ginástica artística Foto: Divulgação FIVB
Ághata, do vôlei de praia: Catar recebeu ainda competições de tênis de mesa e maratona aquática, mas vetou a ginástica artística Foto: Divulgação FIVB

O COB, juntamente com as confederações nacionais, busca alternativas para driblar essas dificuldades. Bichara contou que, nesta última semana, não “entrava” com atletas na França, Espanha e Alemanha. Mas, com a ajuda dos comitês olímpicos locais, não teve vetos na Holanda e Portugal.

Disse que, normalmente, a entrada é facilitada para a disputa de competições importantes como um Mundial ou para quem tem dupla cidadania e Green Card (Cartão de Residência Permanente dos Estados Unidos). Geralmente é exigido teste para Covid 72 horas antes do embarque, além de testagem ao chegar no país de destino (as competições têm seus protocolos próprios). Explica que além das restrições de entrada comuns, há ainda menos voos disponíveis no mundo e principalmente do Brasil com destino à Europa.

?  Muitas vezes a gente encontra um caminho possível de entrada mas não há assentos nos poucos voos. É como um jogo de xadrez.

O boxe, por exemplo, chegou na Alemanha via Bulgária, após convite para treinamento. A delegação do Brasil está hospedada no hotel de Michael Schumacher, dentro de um CT. Mas antes de chegar no país, o chefe da equipe alemã da modalidade foi até a Bulgária verificar como os brasileiros estavam. Na última semana, atletas da vela conseguiram entrar em Portugal e Espanha. Bichara contou que os treinadores da vela organizam pequenas regatas entre si e viabilizam as viagens.

O maratonista Daniel Chaves da Silva, qualificado para os Jogos de Tóquio, optou por uma triangulação para viajar a Alemanha. Ele faz um camping de altitude no México até o dia 22. Em seguida, ficará na Espanha e depois entrará na Alemanha, para a Maratona de Hamburgo, que será disputada em abril.

? Normalmente fazemos treinos em altitude na Colômbia, mas agora o país não aceita voos do Brasil e escolhi o México. Depois, o período em Madri, será uma espécie de quarentena para poder competir na Alemanha ?  contou.

O surfe embarcou para a Austrália para o Circuito Mundial. Assim como ocorreu com o tênis, os atletas, entre eles Ítalo Ferreira, cumprirão quarentena de 14 dias. Nesta semana, o judô masculino do Brasil treina na Geórgia, e o feminino, na Albânia. O vôlei de praia, tênis de mesa e maratona aquática estão no Qatar. Atletas do taekwondo treinam ou competem na Sérvia; do handebol, em Montenegro; e do hipismo, nos EUA.

? É um fecha e abre, feche e abre. Tem vezes que não entendemos nada ?   fala Bichara.

Barrados

Ao mesmo tempo, o COB precisou ampliar a capacidade de atendimento do seu CT, no Rio. Nesta semana, recebeu as seleções brasileiras de saltos ornamentais, natação e canoagem slalom. São cerca de 160 atletas usando essas dependências e sendo testados para Covid.

Sem a etapa de Doha da Copa do Mundo de ginástica, que foi cancelada, ginastas do Brasil fizeram uma competição no CT. O simulado teve avaliações técnicas da apresentação das séries completas, arbitragem e notas.

? Esse camping não estava planejado, mas a Copa do Mundo foi adiada muito em cima e isso é ruim para a gente. Temos uma periodização de treinamento e para não perder a preparação, a comissão técnica resolveu fazer esse camping como se fosse a competição de Doha ? explicou o campeão olímpico e mundial Arthur Zanetti.

Recentemente, a seleção masculina de pólo aquático foi barrada no aeroporto do Rio, antes do embarque para Berlim, onde finalizaria preparação para o Pré-Olímpico. A seleção feminina de rúgbi sevens, já classificada para a Olimpíada, teve que cancelar uma viagem à Espanha, onde disputaria um torneio preparatório. Número 1 do ranking mundial do mountain bike, Henrique Avancini pretendia abrir a temporada disputando a Copa Catalã, que ele venceu no ano passado, na Espanha, e depois o Pan-Americano em Porto Rico. Não conseguiu viajar para ambos locais.

? Tudo isso é muito chato ? fala Avancini.

A brasileira Fernanda Borges Martins, que foi sexta colocada no Mundial de Atletismo de 2019 no lançamento do disco, não conseguiu viajar para treinar com seu técnico José Luís Martínez, em León, na Espanha, onde há um centro de excelência para atletas dos arremessos e lançamentos. A solução encontrada pelo COB foi levar o treinador e a atleta para Chula Vista, nos EUA.

Devem embarcar na semana que vem, se não houver nenhum imprevisto, juntamente com uma equipe de cerca de 40 pessoas, incluindo os velocistas. Eles tem uma carta convite do comitê olímpico local. De lá, o time do revezamento do Brasil vai disputar o Mundial de Revezamento, na Polônia.

? Só não fui ainda para a Espanha por causa das dificuldades atuais de viajar. Estou ansiosa para começar o trabalho com ele pessoalmente ? admitiu Fernanda, que é orientada virtualmente por Martínez desde setembro de 2020.

Já Augusto Dutra, do salto com vara, abriu mão da temporada indoor na Europa. No seu caso, o problema maior é o embarque com as varas, mais complexos e restritos. Não são todas as companhias aéreas que aceitam viajar com o material. Na pandemia então…

? Pensei nos problemas que enfrentamos nos aeroportos e decidi evitar dor de cabeça ? disse o atleta, que já tem índice olímpico e deve estrear na temporada no dia 28 de março, no Grande Prêmio de Atletismo da Argentina, em Buenos Aires.

No ano passado, retornando de uma cirurgia, ele gostou do adiamento da Olimpíada. Mas agora, reza para a pandemia não atrapalhar sua preparação.