O ser humano é um eterno insatisfeito. A partir de dado momento, entre inconformados e atormentados, descobrimos que não era mais possível apenas desfrutar da rivalidade e do encantamento que definiram uma era do jogo. A cada exibição de Messi ou de Cristiano Ronaldo, tornara-se inevitável pensar na implacável passagem dos anos. Como se fosse impossível ser feliz sem pensar que, a cada dia, estávamos mais próximos de ver uma história terminar.

Em dois lances emblemáticos, o Parque dos Príncipes nos lembrou, na última quarta-feira,   como cada 90 minutos de cada um destes gênios nos conduz a emoções tão fortes quanto contraditórias. Eram 36 minutos do primeiro tempo quando Messi desferiu um chute arrebatador, um daqueles gols que existem apenas em sua mente e se materializam somente em seus pés. Foi impossível não celebrar: “Ainda não terminou, por que sofrer por antecipação?”.

Mas a passagem do tempo é inapelável, mesmo para seres especiais. Eram 15 minutos do segundo tempo quando Jordi Alba encontrou Messi em passe medido. Entre o domínio e o giro, o argentino gastou milésimos de segundo a mais do que o necessário para impedir o corte de Marquinhos. Foi impossível não lamentar, não pensar: “Há alguns anos, era gol certo”. Assim vivemos os anos finais do duopólio.

É natural enxergar na atual Liga dos Campeões uma espécie de troca da guarda. Pela primeira vez desde 2005, as quartas de final não terão nem Messi, nem Cristiano. Mas terão Mbappé, 22 anos e já campeão mundial com gol em final de Copa; ou Haaland, 20 anos, que faz gols lhe caírem dos bolsos enquanto corre; ou mesmo nomes mais experimentados, como Salah,Mané e, claro, Neymar.

Ocorre que, por ora, nenhum destes candidatos ao trono parece predestinado a reeditar por tanto tempo as sensações que tivemos nos últimos quase 15 anos. Seja pela combinação de magia e consistência a cada quarta e domingo, seja pelo choque de duas personalidades tão distintas, quase opostas, duas maneiras tão diferentes de se expressar dentro e fora do campo. E, para completar, Messi e Cristiano costumavam duelar, com certa frequência, no maior clássico de clubes do futebol mundial.

Mbappé, brilhante há uma semana no Camp Nou, vinha de atuações apagadas. Haaland é  um formidável goleador, candidato a marcar uma era por suas estatísticas alucinantes, mas o encantamento que produz parece residir em outro departamento que não o da estética, da invenção. Já Neymar, capaz de criar, driblar, finalizar, é talvez o jogador com a maior vocação para a criação e para a diversão no jogo atual. Mas há pelo menos sete anos se vê  perseguido por lesões em momentos cruciais.  Não será fácil preencher este vazio.

O consolo é que ainda não acabou, a  página ainda não virou por completo. Numa Juventus longe de um padrão de elite e num Barcelona cuja reconstrução faz dele um time ainda imaturo demais, Cristiano e Messi se veem rodeados por menos talento, menos excelência. E tampouco têm o antigo frescor para carregarem equipes. Ainda assim, os 27 gols em 32 jogos de Cristiano na temporada, os 25 gols em 32 partidas de Messi, ou o magnífico chute do Parque dos Príncipes, provam que ainda são espetaculares, jogadores de exceção. Convém não perder um só minuto, até o ponto final de um magistral capítulo na história do futebol.