A goleada do Bahia por 7 a 1 sobre o Campinense, terça-feira, pela Copa do Brasil, não impactou apenas as duas torcidas. Antes mesmo de acabar, o jogo já repercutia em fóruns da internet, redes sociais e grupos de WhatsApp. E não exatamente pelo placar elástico. Ali, o nome de Rossi, autor de três gols, era menos citado do que termos como odd e cash out. Estranhas ao torcedor comum, estas expressões são parte essencial do mercado de apostas esportivas.
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Longe da ilegalidade desde 2018, o setor ainda aguarda regulamentação no Brasil. A expectativa é julho. Mas sites de jogos de azar já movimentam bilhões de reais por ano no país graças a eventos esportivos que ocorrem todos os dias e que passaram a ser acompanhados por torcedores além dos clubes envolvidos. Como Campinense x Bahia.
Além dos gols, o duelo chamou atenção pelo alto volume de apostas. E elas expõem uma estratégia polêmica que ganha força no mercado ? com lógica especulativa semelhante à vista no mercado de ações.
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Quando as casas de apostas abriram os palpites para este jogo, os olhos de alguns apostadores cresceram. Na Bet365, uma das principais, a cotação (ou odd) para a vitória do Bahia chegou a 1,57 para cada real apostado. Já a de que o duelo terminaria com mais de dois gols esteve em 2,16. Números considerados altos (ou desregulados) diante do favoritismo dos baianos. Afinal, quanto maior a probabilidade de um resultado, mais apostas ele recebe. Logo, esta variável tende a baixar para a banca pagar menos e, assim, evitar perda de dinheiro.
Para se dar bem, alguns apostadores se aproveitam do cash out. O serviço, oferecido por algumas casas, permite ao cliente sair da aposta antes do fim do evento com parte do lucro (e, assim, escapar de uma reviravolta no resultado) ou do prejuízo (minimizando a perda que teria ao término da partida).
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Em grupos numerosos e orientados por tipsters (pessoas que cobram para dar dicas), eles investem alto nas odds desreguladas para que elas caiam (o que ocorre por um ajuste feito pela própria casa). Quando a correção é feita, são reembolsados pelo site já com lucro. Assim, podem encerrar a aposta antes do fim do jogo (o cash out) com mais dinheiro.
? Isso é uma manobra do apostador profissional. Aquele que entende do mercado e quer ganhar dinheiro com isso. É como no mercado de ações. Ele tem uma ideia dos valores. Cria a sua odd pessoal, compara com a do site de apostas. E, se identificar uma subvalorizada, faz aposta esperando que ela se valorize para ele buscar o lucro ? comenta Ângelo Alberoni, country manager para o Brasil da Betmotion.
Em geral, as casas percebem este movimento em segundos e fecham o mercado para aquela partida. Quando é reaberto, as cotações já estão reguladas. Em Campinense x Bahia, isso não ocorreu. O volume de dinheiro na vitória dos baianos e em mais de dois gols foi enorme, o que levou a Bet365, por exemplo, a suspender as apostas ? procurada, a empresa não retornou os contatos. A medida impede que o cash out seja feito, levando os apostadores a bancar seu palpite até o fim do jogo. Foi esta suspensão que provocou todo o alvoroço terça. Tanto quanto o 7 a 1.
Algorítimo e estatísticas
O episódio mostra como o mercado cresceu a ponto de os próprios apostadores descobrirem atalhos polêmicos. E joga luz para como as odds são calculadas. O que leva um site a dizer que a probabilidade de um resultado ocorrer é maior do que a de outro? Por trás disso, uma engrenagem envolve algoritmos, estatísticas e profissionais especializados.
? As odds são calculadas por uma modelagem matemática. Ela envolve uma base de dados estatísticos que refletem probabilidades. A seguir, profissionais especializados adicionam ao cálculo elementos externos, como, por exemplo, a previsão de chuva no momento do evento ou jogadores com possível lesão; e elementos internos, relacionados ao risco da operação da casa ? conta Hans Schleier, diretor de marketing da Casa de Apostas. ? Se existir um desequilíbrio entre as odds geradas pelos especialistas, o sistema automaticamente interfere para retomar o balanceamento entre os resultados.
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Os dados são extraídos de jogos anteriores das equipes. Entre os principais, estão gols marcados e sofridos, frequência de empates, desempenho em casa e como visitante, além do retrospecto contra o adversário do próximo jogo. Normalmente, este serviço é contratado de empresas especializadas em estatísticas. Já os profissionais que acrescentam a esta análise os fatores externos (como, por exemplo, a ausência do artilheiro de uma das equipes) são conhecidos como traders. Sua função é lapidar aquela cotação justamente para evitar que os algoritmos gerem odds desreguladas.
? Utilizamos algoritmos e traders para gerar as odds. Em seguida, usamos nosso próprio sistema interno de monitoramento e alerta para comparar nossas odds com as do restante do mercado e para nos alertar quando elas estiverem fora da linha. Este processo é monitorado e gerenciado por traders em vários de nossos escritórios globais ? explica Werner Becher, CEO na Europa, Oriente Médio, África e América Latina da Sportradar, uma das principais empresas que presta este tipo de serviço para as casas de apostas:
? Temos várias equipes que apoiam no desenvolvimento das odds. Há um time de produção, que criam os eventos; temos colaboradores analisando e modelando dados e elaborando algoritmos de cálculo, além de muitos traders que intervêm quando necessário.
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Foi este processo que levou, em janeiro, alguns sites a pagar 5,50 para cada real investido na vitória do Vasco sobre o Bragantino, pelo Campeonato Brasileiro. O número alto escancarava a condição de zebra do clube carioca, o que gerou a ira de torcedores menos acostumados com o mercado de apostas. Mas o resultado do jogo justificou a análise: 4 a 1 para os paulistas.
? Neste sentido, você ignora a camisa. As odds são construídas com base em dados. Se você olhasse o retrospecto dos dois times no momento, o Vasco jamais seria favorito ? diz Ângelo Alberoni, da Betmotion. ? Eu sou vascaíno, mas nunca apostaria no meu time naquele jogo.
Fonte: O Globo