Campeão olímpico do vôlei de praia, Bruno Schmidt se tornou outra pessoa, menos egoísta e mais paciente ? na marra. Durante os 13 dias em que ficou internado num hospital de Vila Velha-ES para tratar a Covid-19, cinco deles na UTI, foi inevitável repensar atitudes e objetivos. Num momento especialmente crítico, quando mais de 70% de seus pulmões ficaram comprometidos, ele projetou “as piores situações?, inclusive a morte. Tão implacável na areia, o jogador de 34 anos se viu fragilizado, respirando com a ajuda de um cateter e rezando para não ser intubado.

O caso de Bruno, o mais grave vivido por um atleta brasileiro nesta pandemia, teve um desfecho positivo ? ele se recupera em casa há dez dias. Mas deixou marcas, a ponto de o medalhista de ouro no Rio-2016 se tornar uma voz contrária à realização dos Jogos de Tóquio, programados para acontecer entre julho e agosto. Ao lado de Evandro, ele já está classificado para o torneio.

? Depois de tudo o que passei, tenho o direito de dizer que a Olimpíada não deveria ser disputada este ano. Por que não em 2024, no lugar de Paris, e Paris em 2028? É o mais sensato e respeitoso. Mais do que ninguém, quero disputar esta Olimpíada e continuarei a me preparar. Mas o evento está encaixado em um momento delicado no mundo. Está fora do contexto ? refletiu em conversa por telefone com O GLOBO.

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Bruno, eleito o melhor do mundo no vôlei de praia em 2015 e 2016, pondera que, além da gravidade da doença, vários atletas não voltaram à normalidade de suas rotinas. As situações diferentes em cada país levariam à desigualdade na preparação esportiva. Várias modalidades sequer distribuíram todas as vagas:

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? Se a Olimpíada acontecer, será uma Olimpíada para cumprir agenda, estranha, sem público. A impressão que dá é que farão por fazer, porque já esperaram o máximo que podiam. Não teremos os melhores disputando para ver quem é o melhor do momento.

‘A tal da segunda chance’

O medalhista olímpico teve três resultados negativos em exames PCR antes da internação. Quando sua esposa descobriu que estava contaminada, após notar a perda do paladar, ele fez o primeiro teste. Desconfiou do resultado e repetiu o processo. Diante de mais um negativo, viajou para a Saquarema, onde jogaria uma etapa do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia. Para entrar na “bolha? do CT da Confederação Brasileira da modalidade, precisou ser testado novamente. E não deu nada.

? Pensei que não tinha pegado. Quantas histórias a gente conhece de alguém que se infectou e os outros da casa não? Segui treinando ? lembra Bruno que, já de volta para a sua casa, passou a ter febre alta.

Bruno Schmidt passou 13 dias em hospital, cinco deles na UTI Foto: Arquivo Pessoal
Bruno Schmidt passou 13 dias em hospital, cinco deles na UTI Foto: Arquivo Pessoal

 

Foi quando procurou um hospital. Chegou com 20% do pulmão infectado e saturação abaixo de 83% (o nível ideal de oxigenação no sangue é acima de 95%). Acabou internado às pressas e seu quadro se agravou rapidamente. Nos testes realizados no hospital, foram detectadas altas taxas de anticorpos para o coronavírus.

? Sei que quase morri. Até então, o máximo para mim era ir à fisioterapia ou ao ortopedista pegar a receita para um anti-inflamatório. Do nada, corri risco de morte ? ponderou o atleta. ? Tinha receio de entrar em coma, de não acordar ou de acordar dias, semanas depois. Duvidava se sairia dessa, qual seria a resposta do meu corpo e se os remédios dariam conta da infecção. O cruel da Covid é que o paciente é posto em isolamento, sem contato com ninguém… Emocionalmente, é um baque tremendo.

Bruno acredita que sua história escancara o poder destrutivo do coronavírus. E alerta que mesmo os atletas, acostumados ao ritmo intenso por conta da preparação física a que são submetidos, estão vulneráveis.

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O campeão olímpico tirou uma semana para descansar e avaliar as sequelas da doença. Garante que está bem, de acordo com avaliações específicas. Ainda no hospital, havia iniciado as sessões de fisioterapia pulmonar para restaurar a capacidade respiratória. Agora, voltou a fazer musculação, com carga baixa por enquanto. E está liberado, a partir de hoje, para retornar à quadra. Essa etapa, porém, não tem data para ser cumprida.

Por ora, certa é a vontade de dedicar mais tempo e atenção a quem ele ama.

? Quando se sai de um momento delicado como o que eu vivi, muda tudo. É a tal da segunda chance. Quero ser uma nova pessoa, mais paciente, focar no que é bom, na família … Nas noites de aperto, era neles em que eu pensava, não na Olimpíada. O atleta é um pouco egoísta. Eu, eu e eu! E, na verdade, o que realmente importa é quem está com você. Já tinha essa noção, mas a vida joga na cara.