RIO – Os quilombolas foram incluídos no grupo das prioridades do Programa Nacional de Imunização (PNI), mas em sua maioria ainda esperam pela vacina contra a covid-19. Muitos nem sequer sabem quando serão vacinados. A denúncia é da Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq). A entidade aponta a falta de centralização do programa pelo governo federal como causa do problema.
De acordo com o PNI, devem receber a vacina, de forma prioritária, idosos acima dos 75 anos, trabalhadores da saúde, indígenas, ribeirinhos e quilombolas. A soma desses grupos chega a 78 milhões de indivíduos. Como o País ainda não tem vacinas para tanta gente, e não há orientação do Ministério da Saúde, coube a Estados e municípios estabelecer as prioridades dentro das prioridades. Esse processo deixou muitos quilombolas de fora da vacinação.
Rio Grande do Sul, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Maranhão, Piauí e Amapá incluíram os quilombolas na primeira fase. Outros Estados determinaram que os quilombolas sejam vacinados em diferentes fases das prioridades. É o caso do Rio de Janeiro (fase 2), de Minas Gerais e Pernambuco (fase 4), do Pará (fase 2), da Paraíba (fase 9) e do Amazonas (fase 3).
Alguns Estados mencionam os quilombolas no plano de vacinação, mas não esclarecem em que fase serão contemplados. É assim em Rondônia, Acre, Distrito Federal, Goiás, Tocantins, Paraná, Ceará e Rio Grande do Norte. Há também Estados que nem mencionam os quilombolas na vacinação. É o que ocorre em Santa Catarina, Sergipe, Mato Grosso do Sul, Alagoas, Mato Grosso, Roraima.
“Disseram que seríamos prioridade, mas não é isso que estamos vendo; não tivemos prioridade nenhuma”, reclama Miriane Costa Coelho, da comunidade quilombola Nova Vista do Ituqui, no Pará. “Os indivíduos com mais de 80 anos foram vacinados, mas por serem idosos, não por serem quilombolas.”
Descendentes das comunidades formadas por escravizados fugitivos, os quilombolas formam um dos grupos mais vulneráveis do País. A vulnerabilidade vem sobretudo da dificuldade de acesso a água, saneamento básico e serviços de saúde. Muitas dessas comunidades são isoladas.
A situação se agravou ainda mais durante a pandemia de covid-19. Enquanto a letalidade da doença, na população em geral, é de 2,4%, entre os quilombolas chega a 4,1%.
“O primeiro plano apresentado nem tinha os quilombolas entre as prioridades; conseguimos incluí-los depois”, afirma a epidemiologista Ethel Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), consultora do PNI. “Mas o plano não tem ordem de prioridade, e isso deveria ter sido decidido em nível nacional; é muito ruim cada Estado fazendo de um jeito, confunde a população.”
Cobrança do Supremo
No último dia 23, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo federal criasse um Plano Nacional de Enfrentamento à Pandemia de Covid-19 em 30 dias, contemplando a questão dos quilombolas. A decisão foi uma resposta a uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada pelos quilombolas. Os ministros determinaram também a suspensão de despejos e remoções de comunidades quilombolas durante a pandemia.
“Com essa decisão, os governo é obrigado a fazer um plano de combate à pandemia nos territórios quilombolas, montar um grupo de trabalho, suspender as medidas de reintegração de posse que tramitam contra quilombolas”, explica Maíra Moreira, advogada da ONG Terra de Direitos.
Na mesma decisão, o STF também determinou que o governo incluísse os critérios de raça, cor e etnia nos boletins de dados da covid-19. O objetivo é ter informações mais precisas sobre o que está acontecendo nas comunidades quilombolas.
‘Somos invisíveis’
“Não há um monitoramento estatal feito sobre a situação da pandemia nos territórios (quilombolas)”, diz Maíra Moreira. “Sem essas ferramentas, somos invisíveis, não há conhecimento real sobre as vulnerabilidades do grupo.”
O IBGE lista 5.972 quilombos no País. A Conaq calcula que sejam 6.300. São cerca de 16 milhões de indivíduos. Desses, 5 mil pegaram covid-19, e 210 morreram. Os números são do próprio Conaq. Não há mapeamento oficial por parte do governo.
“A nossa situação econômica piorou bastante; o que ajudou um pouco foi o auxílio emergencial”, diz Núbia Quilombola, da comunidade Abacate da Pedreira, no Amapá, onde nenhum quilombola foi vacinado. “Houve ajuda federal para os Estados mas nada chegou até nós, estamos recebendo ajuda humanitária internacional na forma de cestas básicas e equipamentos de proteção individual; estamos enfrentando uma crise econômica e uma crise de segurança alimentar. Muitas famílias não têm o que comer.”
Veja também:
Fonte: Terra Saúde