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Se não houver medida enérgica, pandemia só vai piorar, diz brasileiro vice-diretor da Opas



BRASÍLIA – Vice-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), o brasileiro Jarbas Barbosa avalia que o colapso na rede de saúde de Manaus (AM), no início do ano, pode se repetir no resto do Brasil caso não sejam tomadas medidas “enérgicas”, como um lockdown. Ele alerta que mesmo os locais mais preparados do mundo podem não suportar a demanda de pacientes sem medidas para controlar a transmissão do novo coronavírus.

“Mesmo sistemas de saúde muito bem estruturados não foram capazes de atender a demanda por leitos e respiradores, quando a transmissão avança sem freios. O desastre pode ser inevitável”, disse Barbosa, que é médico sanitarista e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Para Barbosa, restrições de circulação, uso de máscara e até um lockdown são medidas fundamentais para evitar a escalada do vírus no Brasil. Ele declara que é preciso convencer a população a seguir medidas “que dão certo”. “Máscara e distanciamento funcionam contra vírus original e variantes”, disse.

Jarbas Barbosa, que atualmente é vice-diretor na Opas
Jarbas Barbosa, que atualmente é vice-diretor na Opas

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil / Estadão

Segundo o sanitarista, não é possível apontar a variante brasileira da covid-19 como culpada pela explosão de internações das últimas semanas. “Tivemos festas de fim de ano, carnaval, está no verão e há muitas viagens internas. Tudo isso acelera a transmissão. Seja com vírus original ou nova variante.”

O vice-diretor da Opas, entidade que é braço da Organização Mundial da Saúde (OMS) na América, confirma que o Brasil deve receber até maio cerca de 9,1 milhões de vacinas da farmacêutica AstraZeneca/Oxford por meio do consórcio Covax Facility. Não há ainda cronograma para a entrega de outras doses, mas o acordo é que cerca de 42 milhões de vacinas cheguem ao País até o fim do ano por este caminho.

A compra pelo consórcio também exige que a União assuma riscos e custos de efeitos colaterais das vacinas, cláusula que todos os países estão assinando, segundo Barbosa. Por meses, o governo Jair Bolsonaro rejeitou e até desdenhou das propostas da Pfizer e da Janssen por essa exigência, que foi chamada de “abusiva” e “leonina” pelo Ministério da Saúde. A compra com esses laboratórios só avançou nesta semana, após Câmara e Senado aprovarem projeto que permite que a União assuma os riscos. A medida, porém, ainda não foi sancionada.

Em que fase da pandemia o Brasil está e quais são as preocupações da Opas?

Vemos com muita preocupação. Temos oferecido todo apoio que o Ministério da Saúde solicita. Antes havia picos de transmissão em regiões diferentes, que foram se alternando. Agora você tem um pico que é infelizmente homogêneo, do norte ao sul. Isso é preocupante. Grande parte dos Estados está perto da saturação dos serviços hospitalares, principalmente leitos de UTI e respiradores, o que é muito preocupante. Pode representar uma situação semelhante ao que vimos em Manaus, em Nova York e no norte da Itália.

O que tem de ser feito por governos e pela população?

Importante agora é tomar medidas para conter a transmissão. Reduzir a velocidade. Vi que governadores estão decretando lockdown ou aumentando as restrições. Claro que tem de ser adaptado para cada realidade, mas isso é fundamental para evitar escalada. A mensagem importante é sobre medidas que sabemos que funcionam, para as quais há evidência de redução da transmissão. Uso de máscara é fundamental. Para sair às ruas, tem de ir de máscara. Distanciamento físico. Evitar lugares fechados, que não sejam essenciais. E aglomerações, de forma nenhuma. Essas medidas podem diminuir o ritmo da transmissão, controlar esse pico, como já ocorreu no ano passado. Há comprovação no mundo inteiro de que isso funciona, se bem aplicado, de maneira coordenada, com adesão da população. Para que se evite uma situação muito crítica, que pode ocorrer em poucas semanas.

Por quanto tempo essas restrições mais rígidas e até um lockdown devem ser adotados?

É difícil ter uma receita para todos. Mas pela dinâmica da transmissão, se você não tomar medidas enérgicas para controlar a transmissão, a pandemia só vai piorar nas próximas semanas. Vai ultrapassar a capacidade de atendimento à saúde.

O que se sabe sobre a variante P.1 e o quanto devemos ficar preocupados com ela?

O Brasil tem boa capacidade de fazer sequenciamento da doença, boa capacidade de vigilância. Precisamos de mais conhecimento sobre as variantes. Qual é efetivamente a mudança no comportamento do vírus que ela produz, se aumenta mesmo a transmissão, como sugerem alguns estudos, e se produzem mais casos graves. É necessário que se use toda a estrutura que o País tem para fazer essa avaliação. De toda maneira, essas medidas que sabemos que funcionam… A máscara funciona contra o vírus original e contra a variante. O distanciamento físico, igual. Evitar aglomerações, igual. É preciso ver como ganhar mais adesão a essas medidas.

O senhor atribui essa explosão de casos apenas à nova cepa? Ou seria até injusto ignorar que tivemos queda de distanciamento social no País?

Creio que é muito precoce atribuir à nova variante. É preciso ter mais dados. Agora, toda vez que relaxa o distanciamento social, tivemos festas de fim de ano, carnaval, está no verão e há muitas viagens internas, de turismo… Tudo isso acelera a transmissão. Seja com vírus original ou com a nova variante. Diria que, além de estudar mais, o que é preciso é aplicar com efetividade medidas que o conhecimento científico demonstrou que diminuem a velocidade de transmissão.

A testagem ainda é importante neste momento de colapso da pandemia?

Sim. A testagem tem efeito individual positivo, porque identifica cada caso e faz recomendação adequada: “Fique em casa, não vá trabalhar, não tenha contato com a família, etc”. Isso diminui a capacidade de a pessoa virar um contaminador. Além disso, quando monitoramos e testamos contatos daquela pessoa, e também se recomenda o isolamento, acabamos cortando cadeias de transmissão do vírus. Tem papel importante. Países que têm sucesso no controle da transmissão unem medidas de saúde pública, como suspensão de atividades não essenciais, lockdown, recomendação forte de uso de máscara, distanciamento, com testagem e monitoramento de contato.

Algumas autoridades têm dito: “Estou numa situação difícil, mas vou ampliar minha rede de UTI e vou flexibilizar medidas”. Isso basta?

Não quero falar sobre um caso específico. Agora, o que a gente aprendeu com a pandemia? Mesmo sistemas de saúde de países desenvolvidos não conseguiram dar conta da demanda produzida por leitos de UTI e respiradores, se você deixar a transmissão correr solta. Isso ocorreu no Reino Unido, que tem um dos melhores sistemas de saúde do mundo. Por que tiveram de decretar lockdown? O sistema estava saturado e as pessoas iam morrer sem leito de UTI. Em Nova York, exatamente a mesma coisa. Em algum local pode ser que a transmissão esteja baixa e gestor avalie que tem ‘espaço de leitos de UTI’ para adiar restrições, mas, de forma geral, se a transmissão estiver crescendo e você não tomar medidas educativas de comunicação e suspensão de atividades não essenciais para reduzir a transmissão, muito provavelmente a capacidade do sistema de saúde será superada. Mesmo sistemas de saúde muito bem estruturados não foram capazes de atender a demanda por leitos e respiradores, quando a transmissão avança sem freios. O desastre pode ser inevitável.

Qual o cronograma de entrega de vacinas via Covax Facility?

O Brasil recebeu a programação da alocação de 9,1 milhões de doses até maio. A vacina que vai vir é da AstraZeneca, produzida na Coreia do Sul. Estamos negociando as entregas seguintes com a AstraZeneca, Pfizer e Janssen, que acreditamos que vai receber a pré-qualificação (da OMS) até a segunda ou terceira semana de março. A Janssen tem compromisso de 500 milhões de doses com o Covax, mas a entrega deles começa a partir de junho.

Como vê a discussão sobre a União assumir riscos e custos de efeitos não esperados das vacinas? Os fabricantes do Covax Facility fazem essa exigência?

Todos os produtores que trabalham com o mecanismo Covax, diria que todos os produtores de primeira linha estão exigindo. Todos os países estão assinando. No desenvolvimento normal de vacina, o laboratório produtor, antes de colocar vacina no mercado observa… As pessoas que participaram da fase 3 seguem em observação durante vários meses. O sistema de farmacovigilância também vai acompanhando. Os laboratórios conseguem fazer um seguro para cobrir algum efeito. O que acontece na pandemia: não há esse tempo de observação. Daqui a 2 anos essa cláusula não vai mais ser necessária. Agora você não tem tempo de observação. Nenhuma seguradora faz seguro com produtor (na pandemia). Por isso eles exigem que o país comprador assine essa responsabilidade. Isso ocorreu também na pandemia de 2009, 2019, da H1N1. É característica de vacinas que foram desenvolvidas para emergência de saúde pública. Todos os países do mundo estão assinando. Fornecedores da Covax estão exigindo, como Pfizer, AstraZeneca, Moderna. Todos vão exigir.

Para receber a vacina via Covax, então, o Brasil precisa dessa adequação na legislação?

Exato.

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Estadão

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Fonte: Terra Saúde


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