Idosos com 75 anos ou mais, profissionais de saúde e indígenas serão os primeiros a ser vacinados contra a covid-19 no País, segundo cronograma apresentado nesta terça-feira, 1º, pelo Ministério da Saúde. O governo federal prevê iniciar a imunização em março nesses grupos, mas não há perspectiva de vacinar toda a população até o fim de 2021.
Outro ponto importante a se destacar é que ainda não há um imunizante contra a doença registrado no Brasil. Muitos estão em fase final de testes, mas ainda não foram aprovados pela Anvisa.
Para ampliar o debate sobre o tema, o Estadão perguntou a dois especialistas: o governo federal acerta em seu plano de vacinação contra o novo coronavírus? Veja o que eles respondem:
SIM
Natália Pasternak, pesquisadora do Instituto de Biociências da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência
“É muito bom, deixaram o PNI (Programa Nacional de Imunizações), que é um órgão técnico, trabalhar. Foi montado um plano de vacinação compatível com as diretrizes internacionais, com a OMS (Organização Mundial da Saúde), dentro do que esperavávamos: priorizando profissionais da saúde, idosos e idosos em casa de longa permanência. Gostei que foram honestos o suficiente para dizer que o processo de vacinação será feito ao longo de 2021 e que não terminará antes de dezembro. Deixa claro para todos que não vai sair a vacina e no dia seguinte todos serão vacinados.
Vale dizer que tem as quatro fases e depois tem o resto da população. A maior parte dos brasileiros está nesse resto. Eles (membros do ministério) também estão conscientes de que a vacina da AstraZeneca vai atrasar e, por isso, pretendem buscar outros acordos para suprir a demanda. E o acordo da Covax não foi super comemorado pelos cientistas à toa. Dará para vacinar 20% da população, com cerca de 40 milhões de doses. Todos os países-membros terão esse direito de vacinar 20% da população. Quando todos tiverem recebido essa porcentagem, todos poderão comprar mais.
Não teve uma prioridade social, de início, teve prioridade étnica. Priorizaram indígena na primeira fase. Falam que vão avaliar questões regionais e que o plano pode ser modificado. Se tiver um Estado, um município ou um distrito de São Paulo com um pico de casos, imagino que o PNI vai priorizar.
Não vi no comunicado nenhuma menção à vacina da Coronavac. É estranho, porque é boa e promissora e o Butantã é um fornecedor de vacinas para o Ministério da Saúde. Sempre soubemos que nenhum país do mundo vai conseguir imunizar toda sua população com uma única vacina. Por isso, precisa haver outros acordos. E vai ser difícil, porque as vacinas que estão em vias de vacinação já estão em espera.
Por tudo isso, acredito que com certeza deve ter mudança. É um cronograma preliminar. A medida em que as vacinas forem liberadas, esse cronograma precisa ser dinâmico, porque a gente ainda não sabe as vacinas que serão aprovadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Pode ter vacina aprovada que funcionará melhor em jovem do que em idosos, por exemplo. E os idosos estão como prioridade, como devem estar mesmo. É um plano preliminar, que precisa ser dinânimco, adaptável.
NÃO
Paulo Lotufo, epidemiologista e professor de Medicina da USP
Discordo muito desse plano. Quem está tendo maior carga de doença são as pessoas dos grandes centros, que estão se locomovendo. O pessoal do transporte, que nem foi lembrado, as forças de segurança, o pessoal que cuida de infraestrutura e todos envolvidos na cadeia alimentar, desde a granja até o ‘cara’ do iFood. Ninguém foi incluído como prioritário.
O critério por idade é desnecessário porque essas pessoas estão isoladas. Quem está sendo atingido é quem está saindo. A questão da população indígena é só para mostrar que são preocupados. Foi como previsto, uma decisão sem critérios sociais, que deveria ser primordial em uma pandemia. As diferenças por raça e renda persistirão. Foi uma decisão muito parecida com a da Alemanha. Acho que só o CDC (Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) tem posição melhor. Lá eles priorizarão socialmente.
A mortalidade aqui no Brasil está muito alta entre os mais pobres e, dentro desse índice, tem a população negra. Isso acontece porque eles têm os piores trabalhos. O CDC pensou dessa maneira.
A cadeia alimentar também não foi pensada. Tinha de ter pensado no cara que trabalha no frigorífico do Sul do País ao sujeito que vai em casa fazer a entrega. É fundamental manter a distribuição da alimentação.
Ainda não há previsão de quando toda população será vacinada. Eles (Ministério da Saúde) não sabem. Nem tem como saber. Ninguém sabe quantas doses devem ter. Falam em 109 milhões, mas não sabem quanto vão ter de vacina.
O que gostei é que descartaram a vacina da Pfizer inicialmente. Sobre a Pfizer, ou vende tudo agora ou ninguém vai comprar, porque é uma vacina que precisa de baixa temperatura. A vacina da Moderna tem se mostrado tão eficaz quanto e vai dispensar essa cadeia de frio.
Falam em professores na 3ª fase, há uma preocupação com a educação. Mas o que temos de tomar cuidado é o que vai acontecer quando começar a vacinação dessa maneira. Por exemplo, o que são trabalhadores da saúde? O porteiro de empresa terceirizada da UBS (unidade básica de saúde) que pega condução todo dia para trabalhar ou um professor de Medicina que vai de carro para dar aula? Sou um professor, um profissional da saúde, mas não estou na linha de frente. Não deveria ser incluído como profissional da saúde. Vai aparecer um monte de gente que tem carteirinha ligada à saúde para ter prioridade. É só ver o que aconteceu no pedido do auxílio emergencial.
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Fonte: Terra Saúde