Os anúncios sobre vacinas contra o coronavírus levam a um otimismo, mas acabar com a pandemia e retornar ao que conhecemos como normalidade ainda está longe.
Viajar sem restrições, não usar máscaras e participar de eventos de massa são algumas atividades que vão demorar para retornar.
Não basta que as vacinas sejam aprovadas e os países iniciem suas campanhas de vacinação. Para falar de um “novo normal”, segundo especialistas, será necessário vacinar uma grande parte da população.
E isso pode levar vários meses ou até anos.
Também não está claro o quão normal viveremos quando conseguirmos imunidade coletiva. Vai depender de quanto tempo dura a proteção das vacinas e se elas cortam a transmissão além de nos prevenir de adoecer.
Quatro desenvolvedores mostraram seus resultados até agora: Pfizer / BioNTech (EUA-Alemanha), Instituto Gamaleya (Rússia), Moderna (EUA) e Universidade de Oxford / AstraZeneca (Reino Unido).
As quatro vacinas mostraram-se eficazes em ensaios clínicos de fase 3, mas os resultados estão pendentes de aprovação.
Considerando isso e os sacrifícios para distribuir doses em massa, quantas pessoas devem ser vacinadas para recuperarmos a vida como era antes do coronavírus?
Imunidade global
“Como e quando voltaremos à normalidade está na mente de todo mundo”, reconhece Andrew Bradley, professor de medicina molecular na Mayo Clinic, nos EUA.
“Mas é certo que, para isso, cerca de 75% da população terá que ser vacinada”, explica Bradley à BBC Mundo.
São dados semelhantes aos da Associação de Vacinação da Espanha, país que aprovou seu plano de vacinação contra covid-19 em 24 de novembro. Terá início em janeiro de 2021, com vacinas gratuitas e administradas primeiro aos grupos com maior risco de mortalidade e exposição à doença.
“Com 60-70% de vacinação, começamos a controlar o microrganismo e cortar a transmissão”, disse Amós García Rojas, presidente da associação, à BBC Mundo.
Os números também coincidem com os percentuais que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima necessários para alcançar a imunidade de rebanho, ou seja, uma imunidade de coletiva mínima, mas necessária, para deter a doença.
“Dada a alta transmissibilidade do SARS CoV-2, acreditamos que será necessário imunizar entre 60 e 70% da população. Isso é conseguido com a vacinação segura”, disse Soumya Swaminathan, cientista-chefe da OMS, em uma conferência.
Bradley diz que é essencial que os níveis de vacinação sejam alcançados globalmente, e não apenas dentro de um país.
“Será preciso atingir imunidade coletiva em escala global para reduzir a incidência da doença ou erradicá-la. Levando em consideração que somos mais de sete bilhões, isso pode levar anos”, estima o especialista.
“Estamos em uma pandemia e não se trata apenas de controlar a doença no Reino Unido, na França ou na Espanha. Devemos combatê-la também na África e na América Latina”, diz García Rojas.
“Os países ricos devem ajudar os que têm menos recursos. Esse é um problema global, de solidariedade”, acrescenta.
Atualmente, vários governos, organizações de saúde, fabricantes, cientistas e filantropos contribuem com o projeto Covax, que visa proporcionar uma distribuição justa e fluida de vacinas e tratamentos em todo o mundo, independentemente dos recursos de cada país.
Alguns países, explica García Rojas, podem já ter mais imunizados de forma natural e ter superado a doença.
No entanto, ele diz que a vacina deve ser dada a todos, “independentemente de terem se infectado, assintomáticos ou não”.
Dúvidas
Embora exista um certo consenso em vacinar cerca de 70% da população para recuperar alguma normalidade, outras organizações exigem cautela e apontam várias questões a serem respondidas.
“A doença e sua imunidade ainda não são 100% conhecidas. É muito cedo para dizer qual porcentagem precisa ser vacinada para reduzir a transmissão”, disse Rodrigo Romero, secretário-geral da Associação Mexicana de Vacinação, à BBC News Mundo.
“Dependerá também da eficácia da vacina e de quanto tempo dura a proteção nas pessoas”, acrescenta.
Além disso das dúvidas sobre a proteção e imunidade das vacinas, há os desafios logísticos, de distribuição e armazenamento.
As vacinas Moderna e Pfizer / BioNtech, por exemplo, devem ser armazenadas em temperaturas ultra-frias usando tecnologias especiais.
Especialistas afirmam que isso será um desafio, principalmente em países com menos recursos ou em desenvolvimento.
“O ritmo de chegada das vacinas em cada país marcará os possíveis horizontes de tempo para voltar à normalidade”, diz García Rojas.
“Também estamos vendo um número considerável de pessoas que não têm certeza se vão se vacinar ou não. Cada campanha de vacinação terá que ser acompanhada de uma estratégia de comunicação clara. Tudo isso leva mais tempo”, completa.
Novo ou velho normal?
Mesmo conseguindo imunizar boa parte da população, especialistas têm dúvidas sobre como será o retorno à normalidade e até mesmo se teremos uma vida como antes da pandemia.
Bradley acredita que é “improvável” retornar à mesma vida em breve. Ele argumenta que “muitas empresas mudarão e os funcionários continuarão seu trabalho remoto”.
“Restaurantes e bares funcionarão com capacidade reduzida e as viagens continuarão limitadas”, acrescentou.
García Rojas, por outro lado, afirma que falar de um “novo normal” causa arrepio.
“Gostaria da normalidade. Mas falar sobre isso em meio a uma pandemia é perigosa para a cidadania. Podemos passar a impressão de que estamos prontos para voltar à velha rotina “, afirma.
“Espero sinceramente que depois do coronavírus a gente mantenha muitos costumes que adquirimos para nos proteger. Espero que a gente continue a lavar as mãos com mais frequência. E também o uso de máscaras — nem sempre, mas sim para mostrar solidariedade e usar na rua quando estamos resfriados”, concluiu García Rojas.
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Fonte: Terra Saúde