Quatro anos depois do acidente aéreo que vitimou 77 pessoas na Colômbia ? incluindo jogadores, comissão técnica e dirigentes do clube ?, é difícil escapar do clichê de associar a imagem da Chapecoense a de um clube em reconstrução. Enquanto a memória da tragédia e das vítimas segue viva no clube e na cidade de Chapecó, a equipe catarinense vai se recolocando nos eixos após o primeiro rebaixamento de sua história, em 2019. Campeã estadual e líder da Série B, a Chape tenta retomar a organização futebolística e administrativa que a caracterizou nos últimos anos.

A primeira colocação na Série B passa longe de ser um acaso. Mesmo sem torcida nas arquibancadas, a equipe segue muito forte na Arena Condá. Por lá, perdeu pela primeira vez em 11 jogos na última quarta-feira, quando recebeu o Cruzeiro (1 a 0). A Raposa foi apenas a segunda equipe a conseguir furar a defesa da Chape em casa: o único gol sofrido até então havia sido do Vitória, em empate (1 a 1 ) no dia 17 de outubro.

Chape só levou dois gols na Arena Condá nessa Série B Foto: Márcio Cunha/Chapecoense/Divulgação
Chape só levou dois gols na Arena Condá nessa Série B Foto: Márcio Cunha/Chapecoense/Divulgação

Os números corroboram para uma média impressionante da defesa catarinense. A Chape sofreu apenas sete gols em 23 jogos. O recorde absoluto de defesa menos vazada da Série B é do América-MG, com 25 gols sofridos em 2017. Para não quebrar essa marca, a equipe de Chapecó precisaria sofrer 18 gols nas próximas 15 partidas, o que parece improvável no momento. Neste sábado, a equipe vista o Guarani, às 21h.

O desempenho chamou a atenção do Cruzeiro, que chegou a tentar a contratação do técnico Umberto Louzer antes de fechar com Luiz Felipe Scolari. Aposta da diretoria da Chape em um nome novo no mercado, Louzer chegou em fevereiro com a difícil missão de dar confiança e padrão de jogo a um elenco que amargava a lanterna do Campeonato Catarinense. Tirou de letra: levou ao clube ao título estadual e vem sendo a sensação da Série B. Sob seu comando, a Chape tem um estilo “cirúrgico?: prefere guardar seu campo, mas chega com muita eficiência ao ataque. As vitórias são magras, mas as derrotas são poucas ? apenas duas na Segundona.

Humberto Louzer assumiu a Chape em fevereiro Foto: Márcio Cunha/Chapecoense/Divulgação
Humberto Louzer assumiu a Chape em fevereiro Foto: Márcio Cunha/Chapecoense/Divulgação

 

? Procuramos atletas com o perfil da Chapecoense, que acreditassem no projeto de reconstrução, acreditassem que o clube poderia ajudar na carreira e que buscassem ascensão profissional ? explica o vice de futebol do clube, Mano dal Piva, sobre a montagem do elenco.

Capitaneado pelo agora meio-campista Alan Ruschel, único sobrevivente da tragédia de 2016 que ainda atua nos gramados, o time tem como alguns dos destaques o experiente atacante Anselmo Ramon e o seguro goleiro João Ricardo.

Outro sobrevivente do acidente também está envolvido diretamente com o futebol da Chape. O ex-zagueiro Neto se aposentou no fim de 2019 e assumiu como superintendente de futebol no clube.

Finanças são problema

Se atravessa bom momento nos gramados, nem tudo é brilhante no horizonte da Chapecoense. A ascensão meteórica da última à primeira divisão entre 2009 e 2013 e os torneios continentais que passou a disputar desde 2015 elevaram o patamar da equipe, que passou a investir mais no futebol. O equilíbrio financeiro que marcou a ascensão do clube se esvaiu, e os resultados em campo acabaram transparecendo a situação. A Chape fechou o ano de 2019 com déficit de R$ 50,74 milhões.

? É sabido por todos que desde 2018 o clube não vive uma situação financeira boa. No ano passado, com a queda à Série B, isso ficou mais latente ? explica o presidente Paulo Magro.

O mandatário, que fazia parte da diretoria administrativa do clube, assumiu definitivamente a presidência após a renúncia de Plínio David de Nes Filho, por motivos de saúde, em novembro do ano passado.

? O que mais pesa hoje são os passivos, as dívidas que ficaram com o grupo de jogadores do ano passado, que encerrou o ano com sete, oito meses de direito de imagem atrasados e mais um mês da CLT. Também temos atrasos de direitos de imagem esse ano com os atletas, mas estamos buscando recursos. Temos que dar um jeito, pois quem trabalha tem que receber ? reconhece Magro, que aponta a reconstrução e reestruturação financeira como o maior objetivo do clube.

Em maio de 2019, a Chape fechou acordo com 20 famílias de vítimas do acidente, com valor em torno de R$14 milhões. Segundo ele, restam outros cinco acordos trabalhistas para serem fechados atualmente.

? Os acordos com as famílias a gente tem se programado com o fluxo de caixa e estamos conseguindo honrar conforme acordado judicialmente ? diz Paulo Magro.