Narrativas sempre podem ser revisitadas e modificadas ao longo da História de acordo com os ventos da época. Mas há feitos objetivos que dificilmente serão abalados sob um novo olhar. O drible em meio time inglês e o gol antológico no Mundial de 1986, com tudo o que a vitória representou além do futebol, são provas disso. São parte do que tornou Diego Maradona um gênio do futebol e a razão que fará o mito sobreviver ao tempo.
A morte de Maradona, claro, pode incensar ainda mais o mito à frente do homem e suas fraquezas amplamente discutidas. É natural que o futebol prevaleça na memória afetiva dos amantes do esporte.
? É bom lembrar que o Maradona já era um mito muito antes de morrer. Mas quando alguém dessa grandiosidade morre, se mitifica muito mais ? diz o sociólogo e professor da Uerj, Ronaldo Helal.
A documentação farta do que o craque argentino fez em campo é o que garante esse legado permanente. São os gols geniais, o choro na derrota do Mundial de 1990, na Itália, o auge no Napoli, o grito para as câmeras no gol sobre a Grécia, na Copa do Mundo de 1994. Também evita as distorções da memória, para menos ou para mais.
? O fato de termos tantos referenciais (documentos) de sua carreira e de sua vida ajudará sim a eternizar ainda mais sua imagem. É natural que lembremos dos bons momentos. A Copa de 1986 ficará cada vez mais eternizada na mente dos argentinos, que tendem a esquecer os problemas com as drogas ao longo do tempo ? afirma Fernando Fleury, especialista em marketing esportivo.
Depois de marcar segundo gol na goleada de 4 a 1 sobre o maior rival, o River Plate, Claudio Caniggia recebe beijo de Diego Maradona. A cena, que entrou para a história, gerou mau estar com a esposa de Caniggia, que foi a público dizer que os atacantes deram um "mau exemplo pros filhos" Foto: Arquivo – 14/07/1996Maradona ergue a taça de bicampeão do mundo, depois de derrotar a Alemanha Ocidental, por 3 a 1, na Copa do Mundo do México, em 1986. Foi o último mundial conquistado pelo país. O craque marcou 34 gols em 91 partidas pela seleção Foto: STAFFA seleção da Argentina chegou a reunir na mesma equipe seus dois maiores ídolos do futebol: o ex-jogador Diego Maradona, como técnico, e o craque Leonel Messi, carrega a responsabilidade de reviver o deigo de Maradona ao erguer uma taça de Copa do Mundo. A vitória mais expressiva da dupla foi a conquista do ouro olímpico em 2008, em Pequim Foto: JAVIER SORIANO / AFP – 03/07/2010Depois da primeira passagem pelo Boca, Diego Maradona foi contratado pelo Barcelona, onde fez 38 gols, nos 58 jogos que disputou Foto: Arquivo – 04/06/1984Maradona em ação pelo Napoli, clube pelo qual mais jogou: foram 259 partidas e 199 gols. Foi em solo italiano que o astro argentino Foto: Arquivo – 17/09/1984
Torcida do Napoli homenageia o argentino, que gravou seu nome na história do futebol italiano Foto: MARIO LAPORTA / AFP – 14/04/2007Revelado pelo Argentino Juniors, foi no Boca Juniors que Maradona se consagrou como ídolo nacional. Foram duas passagens: 1981-1982 e 1995-1997, acumulando 47 gols em 74 partidas. Antes da segunda passagem pelo Boca, chegou a atuar cinco vezes pelo argentino Newell's Old Boys, mas não marcou gols Foto: Zoraida Diaz / Arquivo – 29/08/1997O último trabalho de Diego Armando Maradona como profissional de futebol foi comandar a equipe do Gimnasia y Esgrima Foto: ALEJANDRO PAGNI / AFPDiego Maradona em ação pelo Al Wasl na final da Liga dos Campeões do GCC, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Maradona foi demitido do cargo de técnico do Al Wasl na terça-feira, após eliminação nos pênaltis. O argentino chegou a comandar duas equipes árabes ? Al Wask (2011 e 2012) e Al-Fujairah (2017 e 2018) Foto: Kamran Jebreili / Arquivo – 10/11/2012Diego Maradona gesticula durante seu primeiro treino como técnico do clube de futebol mexicano Dorados, no estádio Banorte em Culiacan, Estado de Sinaloa, México, onde atual entre 2018 e 2019, na segunda divisão Foto: PEDRO PARDO / AFP – 10/09/2018
Porém, por mais objetividade que seja possível extrair dos documentos, a construção de um mito precisa de contextos. Diego Maradona teve muitos. Conquistou uma Copa do Mundo numa edição em que derrubou os rivais ingleses após a Guerra das Malvinas e tornou um clube de pouca grandeza, como o Napoli, em uma equipe vencedora na Europa.
O fato de suas conquistas não terem sido equiparadas ao longo dos anos só reforçou a idolatria em torno do personagem visceral.
? Se o Messi tivesse vencido uma Copa do Mundo, o Maradona continuaria sendo enorme, mas algumas coisas poderiam ser relativizadas. Quanto mais tempo a Argentina ficar sem ganhar um Mundial, ele se torna maior lá e no mundo ? analisa Helal.
A eterna comparação
Segundo Helal, foi justamente o jejum de títulos da Argentina que criou a eterna comparação de quem foi melhor: Pelé ou Maradona?
? Analisei no meu doutorado na Argentina como a imprensa de lá vê o futebol brasileiro ao longo das Copas. Sempre foi uma relação de muita admiração. Até 1998, não existia a comparação. Era o rei do futebol e o Maradona, seu herdeiro. Em 2002, isso já vinha mudando e entra como elemento compensatório: ?O Brasil tem o melhor futebol, mas temos o melhor jogador de todos os tempos?.
De joelhos, o craque Maradona mata a bola no peito, em jogo de futevôlei Foto: Joaquim Nabuco / Agência O Globo – 13/07/1985Por volta de 13h30, ele deixou o hotel em direção à Praia de Copacabana, em frente à Rua Miguel Lemos, na Zona Sul da cidade, onde os brasileiros Edinho e Jairzinho (foto) esperavam o amigo argentino Foto: Joaquim Nabuco / Agência O Globo – 13/07/1985O jogo comemorativo entre o time rubro-negro e o combinado Amigos de Zico aconteceu no dia 12 de julho, uma sexta-feira Foto: Joaquim Nabuco / Agência O Globo – 13/07/1985O craque argentino durante partida de futevôlei em Copacabana Foto: Joaquim Nabuco / Agência O Globo – 13/07/1985"Muito divertido esse futevôlei, mas é preciso ter pernas para jogar", disse o argentino Foto: Joaquim Nabuco / Agência O Globo – 13/07/1985
"Seria interessante levar esse esporte para o meu país. O único problema é que na minha cidade, Buenos Aires não tem praia", lamentou o craque Foto: Joaquim Nabuco / Agência O Globo – 13/07/1985Enquanto tentava pegar o jeito do esporte, o argentino não foi poupado das piadas da galera em volta: "Sabe tudo de futevôlei, hein", gritou um espectador. "Grande, Menudo", brincou outro Foto: Joaquim Nabuco / Agência O Globo – 13/07/1985Maradona faz embaixadinha à beira-mar, em Copacabana Foto: Joaquim Nabuco / Agência O Globo – 13/07/1985
O ex-jogador e comentarista Júnior, contemporâneo de Maradona nos campos, crê que o argentino tende a ficar maior, se isso for realmente possível:
? Tudo o que ele fez na vida ficará em segundo plano. A genialidade suplanta ? afirma.
A genialidade a serviço do futebol pode até estar alguns degraus abaixo em relação a outros, na opinião de alguns. Mas não o mito.
? Maradona foi um gênio. No campo, ele está abaixo de Pelé, ali junto com Garrincha, Cruyff… Mas iconicamente ele é maior do que todos eles juntos ? completa Helal.