As urnas definem nesta terça-feira quem será o próximo presidente do Botafogo. Três candidatos ? Alessandro Leite, Durcesio Mello e Walmer Machado ? disputam um pleito singular: pela primeira vez, o mandato, que começa em 1º de janeiro, passa a ser de quatro anos. O contexto atual mescla a necessidade de uma resposta dentro de campo e a expectativa pelos rumos da parte financeira.
Os mais otimistas em relação ao projeto S/A, quando lançado, previam que o presidente eleito nesta terça cuidaria apenas da parte social e esportes amadores. Mas a realidade mantém o futebol na lista de responsabilidades.
Alessandro Leite é o atual vice-presidente executivo do Botafogo e chega respaldado pelo “Mais Botafogo?. O grupo político encabeçou as eleições de Carlos Eduardo Pereira e do próprio Nelson Mufarrej, mas retirou apoio à atual gestão em outubro.
Ter um cargo elevado no clube não faz com que Alessandro Leite tenha apoio de todos os dirigentes do cube. Membro comitê gestor do futebol, Carlos Augusto Montenegro, por exemplo, é amigo de infância de Durcesio e apoia o empresário no pleito. A eleição, inclusive, marca o fim do comitê e o início do processo de transição.
O advogado Walmer Machado é visto como um azarão nessa disputa, já que não é impulsionado por grupos políticos mais tradicionais.
A votação vai das 9h às 21h, na sede em General Severiano. São 1.691 sócios aptos a votar. O GLOBO conversou com os postulantes ao cargo.
A visão dos candidatos
Quais são as metas esportivas para o futebol do Botafogo nos próximos quatro anos, caso você vença? Promete título?
ALESSANDRO LEITE: Promessa de título eu acho algo leviano. O que a gente promete é um setor de inteligência mais forte, mais atuante, com contratações mais criteriosas, evitando indicações de treinadores que vêm e vão. Muito menos de empresários. Montando um elenco forte, com jogadores buscados no mercado com inteligência, a gente consegue fazer campanhas muito mais dignas. E provavelmente brigar por título. Pelo que me recordo, será a primeira vai acontecer de o presidente assumir no meio de um Campeonato Brasileiro, em decorrência da pandemia. A responsabilidade de quem assumir vai ser grande, no que diz respeito a dar uma motivada nos atletas, focar jogadores e comissão técnica para conseguir sair dessa situação.
DURCESIO MELLO: Não há muito do que ser feito pelo menos até 24 de fevereiro. O time que está aí é o que vai terminar o campeonato. Temos esperança no Ramón Díaz. Depois de fevereiro, estamos nos planejando para montar o time usando uma base que já tem e contratações pontuais. Tudo isso depende de grana. O problema é que você tem bloqueios, temos que ver. Parece que o presidente Nelson Mufarrej está conseguindo algumas coisas que podem deixar luz no fim do túnel. Aí, montaríamos um time para disputar o Brasileiro dignamente. Não posso dizer se o técnico vai ficar. Eu conheci o Díaz, gostei muito. Mas o tempo vai dizer. A princípio, continuaria. Um trabalho de longo prazo. Tem uma metodologia interessante. Acabando o Brasileiro, o Botafogo vai ficar na Série A. Então, planejaria para ajustar o time. Ainda não dá para prometer título. Mesmo com a S/A saindo, que traria aporte de recursos, nenhum time, com todo dinheiro do mundo, consegue título no primeiro ano. Sem recursos, fica difícil prometer título. Se acertar algumas contratações, pode tentar arriscar uma Copa do Brasil, uma Sul-Americana, que são mata-mata. No Brasileiro, fica muito difícil ter elenco a ponto de disputar título. Seria leviano da minha parte, mesmo se contratar Messi e Cristiano Ronaldo.
WALMER MACHADO: Já pegaremos o Brasileiro em andamento. O time está na zona de rebaixamento. Vamos ter que assumir imediatamente o futebol, chamar o nosso parceiro, que é o banco europeu, para ajustar a questão salarial. E também tentar que o patrocínio master já venha logo na camisa, para fazer com que o jogador se sinta prestigiado e veja que haverá uma mudança de mentalidade, de cultura. Em quatro anos, vai dar para pensar em uma Copa do Brasil ou até mesmo um Campeonato Brasileiro. Essa é a nossa determinação, nossa meta. Se não fosse isso, não nos candidataríamos.
Depois da experiência do comitê gestor do futebol, como planeja montar o departamento?
ALESSANDRO: Procuramos ter um discurso alinhado. A gente entende que alguns setores precisam realmente ser mais profissionalizados. Entre eles, o próprio futebol profissional. Da mesma forma, deve acontecer com a área comercial, marketing e comunicação. São setores que consideramos fundamentais. Que tenham um novo rumo para se atingir um sucesso rápido. Eu entendo que o CEO seria interessante à frente de toda estrutura do clube.
DURCESIO: O Comitê veio para ajudar, a pedido do Nelson. Eles já fizeram o trabalho deles e estão cansados. Como eu pretendo anunciar um CEO no começo da gestão, já estou trabalhando via headhunter para profissionalizar o clube, o CEO vai escolher o diretor de futebol, mas também administrativo e financeiro. Vai ter um comitê diretor que vai ajudar o CEO, e vou fazer parte disso, mas ele que vai escolher, porque vai estar embaixo dele. Mas tudo isso não penso em fazer antes de 24 de fevereiro. É mexer o mínimo possível para evitar estresse nos últimos meses de campanha no Brasileirão.
WALMER: Contávamos com a S/A, separando o CNPJ. O Botafogo de Futebol e Regatas ficaria com os esportes olímpicos. Como isso não aconteceu, vamos ter pilotando o futebol o nosso vice-presidente, Carlos Alberto Lancetta, que tem Olimpíada no currículo. Vamos fazer uma gestão compartilhada, a parceria que o Botafogo vai ter com empresas privadas. O clube já tem uma S/A, que é a Companhia Botafogo. Vamos recuperá-la, pagando os impostos. Vamos buscar uma certidão negativa, com efeito positivo, tornando-a apta para transações legal. 99% das cotas é do Botafogo de Futebol e Regatas. Vamos ter que negociar com o investidor para entender o desejo deles. Mas, hoje, pela Companhia Botafogo, não precisamos criar mais nada.
Qual a solução financeira para o Botafogo? De onde tirar receitas novas? E a dívida?
ALESSANDRO: Nesse tema, ainda acreditamos no surgimento da S/A, muito embora alguns estejam descrentes. A gente tem uma visão que é plenamente viável. Estamos empenhados e comprometidos para que esse processo tenha seguimento. A criação de um setor de captação ligado diretamente para buscar recursos via projetos incentivados, que atuaria paralelamente com o comercial do clube. E também a reestruturação do departamento comercial, para trazer as receitas novas. Equacionar as dívidas passa muito pela captação de novos recursos. A ideia é que, com a captação e austeridade financeira grande, o clube consiga equacionar de alguma forma, viabilizar o pagamento, renegociando. Vejo o clube numa situação muito complicada, até porque quando você tem uma receita, que já não é tão grande, toda comprometida e uma despesa maior que a receita, já com uma dívida muito alta, realmente é assustador. Mas não vejo como uma situação que não possa ser equalizada. Há quem diga que é falimentar, mas eu acredito que não chega a esse ponto. O Botafogo tem um patrimônio muito grande, que é a própria torcida.
DURCESIO: Tem que trazer dinheiro novo. A primeira coisa é conseguir que as receitas que já existem sejam desbloqueadas. Soube que o Nelson está fazendo um trabalho nesse sentido. Além disso, conseguir receitas novas, como patrocínio master, perseguir um naming rights para o Nilton Santos, aumentar receitas de camisa… Obviamente tudo com ajuda da torcida, nosso maior patrimônio. Tem o sócio-torcedor: temos um número estável, mas podemos fazer campanhas para melhorar isso. O importante é que toda receita gerada pelo futebol seja investida no futebol. A dívida que preocupa é de R$ 430 milhões, que gera penhoras. A outra parte está no ato trabalhista e no Profut, já está equacionada. Dos 430 milhões, são mais ou menos R$ 130 milhões de dívidas cíveis. E os R$ 300 milhões que são trabalhistas. Essas são as piores. Causam mais penhoras, bloqueios de receita e com um custo enorme. Tem que equacionar isso rápido, chamar os credores para fazer um acordo. Senão, vai ficar inviável. Nem eles recebem e nem o Botafogo consegue ter vida própria porque as receitas ficam bloqueadas.
WALMER: A solução financeira passa por uma revisão dos contratos, reavaliação do quatro funcional, que parece estar inchado, passa pelo ato cível que vamos construir com outros clubes para as dívidas e penhoras não chegarem de surpresa. Mas é fundamental a busca por dinheiro novo. Com isso, você governa. Boa parte da dívida é fiscal e tributária. Isso pode ser renegociado. Hoje, a dívida remonta cerca de R$ 800 milhões. A Companhia Botafogo já tá dentro disso, com cerca de R$ 30 milhões. Vamos sanear essa questão. Mas se refinanciar e não pagar, cai no mesmo problema. As receitas novas virão com parceiros. Principalmente do banco europeu, o Alantra. Já oferecemos ao Botafogo, fizemos um protocolo em julho, em plena pandemia. Um portador nosso levou a carta do CEO do banco na casa do Nelson Mufarrej. Há 15 dias, o Botafogo manifestou que não tem interesse, claro, por questões políticas. O banco Alantra é sediado em 21 países. Um banco desse é muito sério. O Alantra é duas vezes maior que os dois maiores bancos brasileiros. Eles nos ofereceram essa possibilidade.
E se a S/A não vingar?
ALESSANDRO: Temos outros meios, que seriam até alternativos à S/A e que poderiam trabalhar em conjunto com o surgimento de uma S/A num prazo mais longo. Estamos estudando a possibilidade de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), um outro plano para que o clube possa se manter economicamente viável.
DURCESIO: Eu não conto com essa possibilidade. Eu tenho certeza que a S/A vai sair. O plano B está em andamento. É bastante sólido, viável. Tem fundos estrangeiros interessados. É preciso acertar algumas coisas em relação à modelagem e à apresentação a esses que já mostraram interesse. Pode demorar um ano, dois anos, mas estou otimista que saia em 2021.
WALMER: A S/A nunca existiu. Hoje, é lidar com algo fake. A S/A nunca existiu. Puseram na minha conta que eu era contra a S/A. Mas eu não posso ser contra aquilo que não existe. Eles ficaram um ano ludibriando o torcedor, dizendo “vai sair”, marcando data, e, na verdade, não tem nada. Diziam que o próximo presidente administraria só as piscinas. Eu me preparei para isso, mas com o pé atrás, vendo que a S/A não tem nada concreto. Não posso falar sobre o que não existe.
O que fazer com o CT?
ALESSANDRO: Primeiro passo a ser tomado em relação ao CT é buscar os irmãos Moreira Salles, que é a quem o Botafogo deve, uma dívida financeira e moral. Eles emprestaram valores ao clube para que as obras fossem iniciadas. É preciso renegociar o pagamento da dívida e também a conclusão das obras. Mas, não obstante, acredito também no amor deles ao Botafogo e que isso possa ser resolvido e equacionado logo nos primeiros dias.
DURCESIO: O CT é bem simples: sendo eleito, vou retomar conversas com o Walter Moreira Salles. Não sou íntimo, mas conheço. A ideia é devolver o CT para os irmãos, para uma fundação que eles vão criar. Aí, eles terminam o CT. Se fizermos isso no começo do ano ainda, dá para ficar pronto até o fim de 2021. O Botafogo colocaria mais nenhum tostão. A ideia deles é bancar a manutenção do CT por cinco anos.
WALMER: Esse CT é a mesma história da S/A. Veio para o Botafogo, entra, sai. O clube parou a obra e vamos dar continuidade. Eu procurei, mandei uma mensagem para a assistente do João Moreira Salles. Ele está viajando. Recebi uma mensagem dele recomendando sucesso na campanha. Não disse que apoiaria, mas deixou as portas abertas. Ganhando a eleição, os irmãos vão ser procurados no dia seguinte. Vamos saber como a coisa está e o que eles pretendem fazer. Com eles, a S/A sai, pela credibilidade.
Como lidar com torcedores ilustres, como Moreira Salles e Felipe Neto?
ALESSANDRO: Eu vejo que o Botafogo está em um momento em que não pode abrir mão de torcedor algum, dos mais ilustres aos mais simples. Não se pode afastar de forma alguma os Moreira Salles, Felipe Neto, e até o próprio Carlos Augusto Montenegro. Eles já ajudaram ou continuam ajudando. Temos outros, que se sacrificam para pagar o plano mais barato do sócio-torcedor. Todos precisam estar juntos no momento, aberto a ouvir todos, trabalhando junto. Não é o momento de abrir mão de ninguém.
DURCESIO: Os Moreira Salles são grandes botafoguenses. Já ajudaram muito e continuam ajudando. São apaixonados. Temos que fazer o caminho certo com eles. Felipe Neto também é um grande botafoguense, já ajudou também. Não o conheço, mas é preciso conversar com ele. Já me perguntaram se eu chamaria ele para ser o cara da comunicação do Botafogo. Minha resposta é: poderia ser, mas, no modelo profissional que vou implantar, a escolha vai ser do CEO. Não sei se nesse modelo ele se encaixa, mas pode ser, sim, consultor, um cara que dê ideias para o marketing, mas não como membro da equipe diretamente. São cargos profissionais, remunerados. Ele não tem condição de ficar de 9h às 17h no Botafogo. Não vai bater ponto.
WALMER: O botafoguismo dos Moreira Salles é incrível. Até porque eles deram o CT para o Botafogo. Eles têm que ser tratados com muito carinho. Sobre o Felipe Neto, ele será procurado. Parece que tem um projeto interessante de sócio-torcedor. Não podemos deixar de fora um influenciador com 40 milhões de seguidores. A não ser que ele não queira participar. Precisamos renovar nossa torcida. Ele é a pessoa certa.
Como pretende costurar a relação com a Ferj e a CBF e os três rivais?
ALESSANDRO: É uma relação que está um pouco conturbada, principalmente em relação à Ferj. O Botafogo recentemente teve problemas. Mas acredito que isso envolva um desgaste pessoal daqueles que tratam direto com as federações. Aí mistura um pouco. Acredito que uma nova diretoria pode abrir um campo de diálogo melhor e ter uma representatividade mais forte, tanto na CBF quanto na Ferj. Sobre os outros grandes clubes, a gente já mantém contato com os presidentes. É uma relação de respeito. Não teríamos qualquer dificuldade. O Vasco também está trocando de presidente, mas não vejo isso como um grade problema. São pessoas que conseguimos sentar, dialogar e fortalecer o futebol do Rio. O momento não é de olhar para o próprio umbigo. É preciso que todos tenham entendimento que o Rio precisa se fortalecer.
DURCESIO: Com os rivais, a relação tem que ser cordial e de parceria. Não adianta ficar um comendo o outro. Temos que estar unidos para conseguirmos as coisas e fazermos um futebol mais forte no Rio. Não adianta só o Flamengo estar forte e os outros estarem fracos. É ruim para o Flamengo também. Os quatro têm que estar fortes. Com Ferj e CBF, teria que me inteirar mais, caso seja eleito. Tem uma relação que tumultuou com a Ferj por causa da Covid-19. Mas com a CBF não vejo nada tão ruim. Arbitragem? Os outros clubes também são prejudicados. Mas não creio que seja má fé da CBF. Estão errando contra o Botafogo, sim. Mas isso é coisa pontual.
WALMER: Quanto à Ferj, temos na nossa chapa do secretário nacional de Futebol, Ronaldo Lima. Ele é sócio-proprietário, tem uma relação muito boa com a Ferj e com a CBF. É um facilitador. Não haverá favorecimento ao Botafogo, mas haverá uma porta de entendimento. Com a Ferj, o que aconteceu (no estadual) é porque o Botafogo está sem comando há muito tempo. Conosco, o princípio da autoridade será preservado. Prevejo uma relação republicana. Não vamos ficar pedindo favores. Com os coirmãos do Rio, vamos nos tratar reciprocamente. Com todo respeito que cada um merece. Mas não vamos fazer algo contra os interesses do Botafogo. Sou botafoguense raiz, e não abro mão disso. Se o Flamengo precisar jogar no Nilton Santos, por exemplo, só vou fazer isso com desejo da torcida. Só a massa botafoguense interessa.
Fonte: O Globo