Só o talento de Lewis Hamilton a bordo de um carro de Fórmula 1 não foi suficiente para tornar o automobilismo mais inclusivo para pessoas de pele preta. Doze anos depois do primeiro título do inglês, o primeiro piloto preto a competir na categoria, ele segue sendo o único. E não há sinais de que isso vá mudar a curto prazo.

Sete vezes campeão mundial no último domingo, na Turquia, Hamilton não conseguiu deixar um calço na porta que abriu no mais alto nível do automobilismo. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que, desde 2008, quando ele, a bordo de uma McLaren, se tornou campeão mundial em Interlagos, 45 novos competidores estrearam na Fórmula 1 ? nenhum deles pilotos pretos como o inglês.

O racismo estrutural segue enraizado no esporte, dificultando que jovens pilotos cheguem até mesmo às categorias de acesso à F1, como as extintas Fórmula 3 Europeia, Fórmula Renault 3.5, GP3, GP2 e o atual último estágio, a Fórmula 2. De 2009 para cá, entre todas essas competições, apenas quatro pilotos pretos estiveram no grid de largada: o inglês Jann Mardenborough, o angolano Luis Sá Silva, o sul-africano Adrian Zaugg e Axcil Jefferies, nascido na Inglaterra, mas que defende a bandeira do Zimbábue nas corridas.

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Nenhum deles conseguiu se juntar a Hamilton na Fórmula 1 e, desde 2015, que não há competidores pretos nas categorias que servem de trampolim para a F1. O heptacampeão tenta entender o que pode ser feito para mudar o quadro. Ele liderou a criação de uma comissão para aumentar a presença de pessoas pretas não apenas ao volante, mas em outras funções dentro de uma equipe de Fórmula 1.

Em entrevista à TV inglesa BBC, admitiu que o trabalho não tem sido fácil:

? Ninguém está fazendo o dever de casa para descobrir por que nosso esporte não é diverso, então eu montei uma comissão para realmente tentar descobrir quais são as barreiras e ver como podemos encontrar um fundamento, você sabe, encontrar uma plataforma real para ser capaz de abrir as portas para jovens pretos entrarem no STEM (sigla em inglês para ciência, tecnologia, engenharia e matemática) e na engenharia.

Oportunidades

Na mesma entrevista, Lewis Hamilton admitiu que chegou a pensar que, ao quebrar a barreira e se tornar o primeiro piloto preto em um carro de Fórmula 1, já teria feito o suficiente para ampliar as oportunidades no automobilismo de outras pessoas da mesma cor da pele que a sua.

Entretanto, apenas iniciativas individuais como a de Hamilton não serão suficientes para que o esporte se torne menos distante delas. O próprio piloto, fruto de uma iniciativa isolada, serve de exemplo: ele teve boa parte da carreira na juventude patrocinada por Ron Dennis, então chefe da McLaren, o que permitiu que desenvolvesse seu talento até chegar à F1.

A verdade é que o automobilismo é um esporte caro e precisa de ações mais institucionais para se tornar acessível para quem tem menos recursos disponíveis. No Brasil, a Confederação Brasileira de Automobilismo criou a Escola Brasileira de Kart, uma tentativa de ampliar seu alcance.

? A CBA vê como imensamente louváveis e defenderá sempre as manifestações como as de Hamilton. O esporte em geral sempre foi um vetor de mobilização e conscientização social, e o automobilismo deve se inserir nesse contexto de trabalhar para que se abra mais espaços para os negros em seu meio ? afirmou Waldner Bernardo de Oliveira, presidente da CBA.

Apesar das dificuldades maiores do que o esperado por Lewis Hamilton, o inglês serve de inspiração para as novas gerações. Trata-se já de um primeiro passo na longa caminhada.

João Victor Ferreira Dias é um dos muitos que sonham em repetir, de alguma maneira, os feitos do heptacampeão. O piloto de 22 anos, natural de Uberaba (MG), se prepara para a disputa do Campeonato Brasileiro de kart, que será em dezembro. Ele tenta copiar os treinos que o inglês publica nas redes sociais e tem como meta na carreira chegar à Stock Car e se tornar o primeiro negro campeão da modalidade.

João Victor e seu pai, Altamiro Mauro, mecânico dos karts de Ayrton Senna Foto: Divulgação
João Victor e seu pai, Altamiro Mauro, mecânico dos karts de Ayrton Senna Foto: Divulgação

 

Acelerar contra racismo

A família de João Victor tem história no automobilismo. Ele é filho de Altamiro Mauro, dono da Mauro Competições, uma equipe que disputa campeonatos de kart. Seu pai foi mecânico dos karts de Ayrton Senna, piloto tricampeão mundial da Formula 1, que faleceu em 1994, em acidente, em Ímola. É do pai que ouve os conselhos para seguir em frente no automobilismo.

? Como meu pai sempre diz, com a nossa cor já é difícil, temos de correr muito atrás, ficar no foco sempre, não sair do caminho ? afirmou João Victor: ? O pessoal te olha com um olhar de que se você é preto, não vai para frente. No automobilismo, dentro do kart, tem piloto que não gosta de mim. Sempre que tem um que fica com o olho em cima de mim, o que eu tenho de fazer é acelerar e mostrar meu serviço.