Os dados da covid-19 a serem divulgados ao longo desta semana poderão jogar luz sobre indícios apontados até agora pontualmente em hospitais de diferentes cidades do País de que os casos da doença estão voltando a aumentar. Isso ocorre após um cenário de estabilização e queda do número de infecções nos últimos meses, o que levou as cidades a flexibilizarem medidas tomadas com objetivo de frear a propagação do vírus no primeiro semestre deste ano.
Após enfrentarem problemas com o sistema do Ministério da Saúde na primeira semana de novembro, os Estados poderão voltar a informar com precisão dados de casos, internações e mortes pelo novo coronavírus. A falha técnica começou a ser solucionada na semana passada, quando os governos voltaram a abastecer o sistema. A retomada, no entanto, trouxe sinais do represamentos dos registros dos dias anteriores e ainda não havia retornado ao seu fluxo regular. No sábado, 14, por exemplo, os Estados relataram 818 óbitos pela covid-19, o que foi considerado atípico.
Por isso, esta e a próxima semana estão sendo consideradas importantes por especialistas na análise da tendência que a doença assumirá em algumas cidades. O Estadão já mostrou que hospitais privados da cidade de São Paulo registraram aumento nas internações. Também na semana passada, laboratórios privados relataram o mesmo movimento, incluindo o grupo Dasa, com mais de 800 unidades em diferentes regiões do País. O grupo disse ter notado alta na procura por testes e na positividade desses testes, indicando maior prevalência da doença.
“Com a normalização gradual do sistema ao longo dos dias, é provável que a gente consiga ter uma ideia melhor do que está acontecendo”, diz Marcio Sommer Bittencourt, médico do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP. Para ele, a tendência de queda nos registros que se notava nos últimos meses não existe mais e os dados mostrarão se o que virá é uma tendência de alta ou uma estabilidade em alto patamar.
O que se anuncia, na análise de Bittencourt, “não é um caos nem uma situação de completo descontrole”, Mas isso também não quer dizer que o cenário seja o ideal. “O que a gente tem hoje é algo sem precedentes em relação a doença infecciosa no Brasil. São números melhores do que era antes, mas não são bons. Permanecer estável onde estamos é muito ruim”, diz.
O cenário não se restringe a São Paulo. Um outro exemplo citado pelo médico é o caso de Curitiba. Lá, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde, os números de diagnósticos também estão em alta. Na semana passada, o patamar de casos ativos diários (5.306) atingiu o maior nível desde o início de agosto. E a média de novos casos confirmados por dia repete o mesmo padrão. Os 477 casos do início de novembro representam a maior quantidade desde o fim de julho. A Unimed em Curitiba, notando o aumento do número de casos, decidiu suspender o atendimento em quatro laboratórios com objetivo de reduzir a possibilidade de contágio e disseminação do novo coronavírus.
Quem também espera que os sistemas do Ministério da Saúde sejam retomados em sua totalidade nesta semana é Marcelo Gomes, pesquisador em saúde pública da Fiocruz. Ele coordena o Infogripe, sistema que monitora dados de notificação de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e tem como fonte um sistema do ministério. “Ainda estamos às cegas”, disse Gomes ao Estadão neste domingo. A retomada do fluxo de informações poderá possibilitar novamente as análises feitas pelo Infogripe.
Na sexta-feira, 13, O Ministério da Saúde reconheceu nesta sexta-feira, 13, indícios de um ataque cibernético em seu sistema. A pasta desativou parte de sua rede e restringiu o acesso de servidores a e-mails, entre outros serviços, na quinta-feira, 5, quando identificou um “vírus” em sua rede. Desde então há limitações em serviços do ministério.
O boletim produzido com dados do fim de outubro já apontava para aumento de casos em algumas capitais. Em Florianópolis, João Pessoa e Maceió, a análise do Infogripe diz que havia na data sinal forte de crescimento no longo prazo. Na capital catarinense, os dados apontavam seis semanas consecutivas com sinal de crescimento, enquanto para Maceió e João Pessoa a observação de alta já se mantinha há 4 e 5 semanas, respectivamente.
Em São Paulo, o indício claro era de que a queda notada nos meses anteriores já não era mais notada. “As próximas semanas devem ser cruciais para termos um sinal mais claro sobre qual será a nova realidade em São Paulo: se a situação é de estabilização com pequenas oscilações ou se já há uma reversão do processo de queda e o início de uma retomada de crescimento”, avalia Gomes.
O pesquisador pontua que os dados consolidados têm a capacidade de fornecer uma análise mais completa do cenário. “Os relatos pontuais não necessariamente refletem a realidade do município como um todo, pode ser uma situação particular. Precisamos do dado completo para poder avaliar e infelizmente na última semana não podemos fazer isso. Temos que esperar”, completa.
Gomes lembra que o momento para os governos é de ter uma equipe fazendo reavaliação contínua das ações de flexibilização já implementadas. “Se estou com uma situação de retomada do crescimento de casos e planejava avançar nas medidas de flexibilização, do ponto de vista epidemiológico isso não é aconselhável. Pode ser necessário voltar atrás”, diz. “As flexibilizações não podem ser interpretadas pela população como problema encerrado. A comunicação tem de lembrar que, enquanto o vírus estiver presente e houver indivíduos suscetíveis, essas medidas não podem ser vistas como um retorno à normalidade.”
O médico Marcio Sommer Bittencourt lembra que a maior parte da estratégia que o País deveria estar adotando não está adequadamente montada. “Estamos confiando em um pouco de distanciamento social e medidas como máscaras e higiene das mãos, que devem ser reforçadas. Mas a iniciativa governamental deveria incluir estratégias múltiplas, como testagem ampla e isolamento das pessoas com sintomas e de quem manteve contato com elas. E isso está sendo mal feito”, analisa.
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Fonte: Terra Saúde