ISTAMBUL – Turcos realmente acreditam em mau olhado. Tanto que uma das maiores tradições do país é uma pedra azul chamada de olho turco, que eles guardam em casa e carregam nos automóveis para se protegerem da inveja alheia. Apesar do cenário adverso que encontrou na Turquia, Lewis Hamilton não precisou de uma para se tornar o maior campeão da história da Fórmula 1, ao lado de Michael Schumacher.
O sétimo título, conquistado com três corridas de antecedência, aconteceu na pista molhada, em uma condição com a qual o piloto britânico não se entendeu em Istambul. Justamente no fim de semana em que poderia entrar para a história, a infelicidade poderia parecer efeito do mau olhado dos adversários. Talvez tenha até sido. Mas Lewis Hamilton aprendeu a controlar o próprio destino para se tornar definitivamente um imortal da categoria mais importante do automobilismo. O títulio veio com a vitoria no GP da Turquia. Sebastian Vettel (Ferrari) e Sérgio Perez (Racing Point) completaram o pódio.
Seu olho turco é o talento que potencializou com os anos ao adquirir experiência que lhe permite errar muito pouco. Hamilton se manteve na pista até o fim enquanto que os adversários patinavam na “pista de gelo” da capital turca, fruto da mistura de asfalto pouco aderente com pneus que não conseguiram chegar tão bem à temperatura necessária.
Se não precisou da pedra turca, houve outros amuletos que levaram Hamilton, o primeiro piloto negro da Fórmula 1, se tornar também o mais vencedor da história. O primeiro deles, Ayrton Senna. Ninguém chega onde o inglês chegou sem uma inspiração e foi isso que o ex-piloto, morto em 1994, foi para o garoto que, do kart aos primeiros anos de Fórmula 1, usava um capacete amarelo claramente em referência ao brasileiro.
Foi com ele que Hamilton venceu o primeiro título, aos 23 anos, em 2008, e atravessou o momento de baixa na carreira, quando, já campeão, e com dinheiro, fama, mulheres e carros pouco competitivos, poderia ter desacelerado nas pistas e passado a apreciar a paisagem, como tantos outros campeões fizeram. Mas não foi o que aconteceu.
É aí que entra o segundo amuleto. Niki Lauda foi o principal responsável pela decisão do inglês de sair da McLaren e tentar um recomeço em um projeto promissor, mas até então sem títulos, da Mercedes. Por melhor que seja, Hamilton não seria capaz de se transformar em heptacampeão sem o carro que já é um dos melhores de todos os tempos da Fórmula 1.
Nico Rosberg completa o trio da sorte, ainda que o inglês eventualmente não saiba ou não admita. Hamilton, se tivesse tido um companheiro passivo nos primeiros anos de Mercedes, talvez não tivesse encontrado motivação para evoluir tanto como piloto. Foi depois de três anos duros, em que venceu o alemão duas vezes e perdeu uma, que o inglês atingiu o patamar que o colocou, a bordo da Mercedes, tão acima dos rivais, inclusive do companheiro de equipe, o finlandês Valtteri Bottas.
Hamilton chegou ao sétimo título mundial senhor de si mesmo. Nem ele e nem a Mercedes dão sinais de decadência para a próxima temporada. O mau olhado dos rivais pode ser na esperança de que o inglês se canse e decida se aposentar depois de igualar o recorde de Schumacher. Mas o olho turco de Hamilton é mais forte. Só ele decide quando parar.
* O repórter viaja a convite do Escritório de Cultura e Turismo da Turquia, com apoio da Azul
Fonte: O Globo