No futebol, é fato que existe o chamado “jogar de memória?. Mas nem sempre basta reproduzir um desenho, um sistema tático que remete aos melhores momentos de um time para que, por encanto, o desempenho volte. O Flamengo, que ainda vive às voltas com desfalques em série e não para de produzir problemas médicos, lida também com mais uma adaptação do time a um novo treinador em sua temporada acidentada. E, também, com mais uma adaptação de um treinador ao clube.
No sábado, Rogério Ceni voltou a postar no 4-4-2, voltou a reeditar a dupla Gabigol e Bruno Henrique no ataque, mas está claro que pesam as lesões e o tempo quase inexistente de trabalho para Ceni, que não tem sequer uma semana de clube. Mais do que sistema, o Flamengo precisa recuperar funcionamento. O mais notável no 1 a 1 com o Atlético-GO, no entanto, foi o impacto que 15 minutos de Arrascaeta em campo produzem. Ele quase salvou o jogo. Teria salvo, não fosse o incrível erro de Lincoln no último instante.
O Flamengo, que sinalizava ter recuperado uma segurança defensiva que inexistia com Domènec Torrent, reencontrou no segundo tempo o fantasma da exposição de seus defensores. E, com a bola, fez mais força para atacar do que com o catalão. Culpa de Rogério? Não. Ele precisa de algum tempo. A tabela do Brasileiro é que impõe certa urgência. A mesma transição dura que tanto se ressaltou com Torrent, ocorre agora com Ceni. Cada técnico tem seus traços, suas ideias. Futebol não tem milagre, ainda que Ceni pareça buscar formas de reduzir o trauma da transição.
Algumas opções dele indicam o peso dos desfalques e um treinador conhecendo seu elenco. Rogério usou Thiago Maia como o homem mais à direita na linha de meio-campo em seu 4-4-2. Da ponta, ele partia em diagonal para o centro, tentando ocupar o espaço entre as linhas defensivas do Atlético-GO. Mas o meia ficou desconfortável ao receber a bola de costas, cercado pela marcação. Thiago Maia contribui mais ofensivamente “chegando do que estando”. Ou seja, tem boa infiltração, boa chegada à frente em movimento. E tem bom passe vendo o jogo de frente.
Aliás, foi dele o grande passe para Bruno Henrique exibir notável combinação de arranque e finalização a um minuto do intervalo de um jogo que o Flamengo dominava, mas não parecia perto de definir. O lance, aliás, foi simbólico do que era o Flamengo até ali. O time tinha muita dificuldade para construir quando encontrava a defesa rival posicionada e precisava trabalhar a bola de forma mais paciente. Criou o lance do gol quando pôde atacar o espaço, em poucos toques: uma perda de bola do Atlético-GO no meio-campo gerou o contragolpe. Uma arma que funcionou em parte do jogo foram combinações pelo lado esquerdo, com Vitinho, Bruno Henrique e Renê, que teve boa participação ofensiva.
Em tese, o placar do primeiro tempo faria o jogo abrir na segunda etapa. Era bom sinal para o Flamengo que, diante de um adversário menos trancado, iniciou bem na volta do intervalo. Mas aos poucos se espaçou como vinha fazendo nas últimas semanas, desprotegeu a defesa e sofreu dois contra-ataques perigosos seguidos. No segundo, Zé Roberto empatou, transformando o jogo numa disputa contra o relógio que já não estava prevista.
E, ao mesmo tempo, vieram os problemas em série, uma rotina da temporada pós-pandêmica do Flamengo. Um deles, gera natural controvérsia. Thiago Maia acusou um problema médico após uma disputa de bola, foi atendido e voltou ao jogo, claramente sentindo. Pouco depois, errou o passe que originou o gol de empate do Atlético-GO, nitidamente limitado pela contusão. Só mais tarde acabou substituído, mas a tentativa resultou fatal. Já no fim do jogo, foi Gabigol quem deixou o campo com dor na coxa.
Como o Flamengo criava muito pouco, Rogério fez sua aposta mais alta. Ele parecia preservar ao máximo Arrascaeta e, mais tarde, alegaria que o uruguaio teve um problema no tornozelo e que a ideia é tê-lo contra o São Paulo, na quarta-feira. Goste-se ou não da decisão, o difícil foi ignorar o quanto sua presença em campo impacta na partida.
Rogério partiu para um “all-in”. Colocou Arrascaeta a 15 minutos do fim no lugar do zagueiro Léo Pereira, formando a zaga com Willian Arão e Natan. Aos poucos, o time foi imprensando o Atlético-GO numa espécie de 2-3-5, com os dois zagueiros, Gérson tendo apoio dos laterais e cinco homens de frente: Michael e Vitinho abertos, Lincoln e Bruno Henrique no centro do ataque e Arrascaeta se movendo como meia ofensivo. Em dois lances, o uruguaio quase ganhou o jogo. Num deles, obrigou Jean a grande defesa. No outro, deu a bola a Lincoln, que perdeu um dos gols mais feitos que o Maracanã já presenciou.
Fonte: O Globo