Eram 23 minutos do primeiro tempo e o Brasil acabara de cobrar um escanteio. O rebote encontrou o volante Allan e o lateral Danilo como os homens mais recuados da seleção. Num Morumbi sem público, a transmissão da TV captou claramente os gritos de Tite: “Organiza no pé, organiza no pé”. No lugar de imediatamente inicarem um novo ataque, Allan e Danilo pausaram o jogo até que os zagueiros retornassem da área e se recolocassem. O Brasil só voltou a atacar quando recuperou sua estrutura habitual. Um lance aparentemente banal é simbólico de que, para Tite, exercitar o modelo, atacar sempre obedecendo este desenho num jogo bem posicional (em que cada homem deve ocupar uma zona específica do ataque), parece ser uma prioridade.

E que estrutura é essa? A rigor, é um 2-3-5 que se desenha quando a seleção ataca. Os dois zagueiros formam a primeira linha. Na segunda, Allan, substituto de Casemiro, foi o volante central, tendo Danilo à direita e  Douglas Luiz à esquerda. E são cinco homens de ataque: o lateral Renan Lodi abre como  um ponta esquerda, Gabriel Jesus jogou aberto pela direita, Richarlison foi o centroavante e, logo atrás, Éverton Ribeiro e Roberto Firmino tentavam jogar entre as linhas de meio e defesa da Venezuela.

Esta era a ideia. Mas a seleção, seja por inadaptação a um jogo tão posicional, seja pelos méritos da ótima marcação venezuelana, praticamente não criava.

O que a Venezuela fez de tão bom? Com a bola, praticamente nada, porque o Brasil não permitia e porque a proposta venezuelana era se dedicar obsessivamente a marcar. O time eliminava espaços entre defesa e meio-campo e encaixotava Éverton Ribeiro e Roberto Firmino. Já Machís, em tese o ponta direita, perseguia implacavelmente Renan Lodi e terminava por virar um quinto homem da l defesa em muitos momentos.

E o que o Brasil fazia de ruim? Primeiro, a eterna dificuldade da adaptação do excelente Roberto Firmino à seleção. No Liverpool, Firmino costuma jogar como o camisa 9 que sai da área para que Salah e Mané infiltrem. A seleção de Tite não tem um modelo de jogo parecido, jogadores com características parecidas e tempo de treino para construir tal sincronia. Centroavante nos jogos anteriores, ontem Firmino foi um dos meias ofensivos por trás de Richarlison, jogando mais à esquerda. Mas ele raramente buscou combinações com Lodi e pouco triangulou com o lateral e com Douglas Luiz.

Além disso, os volantes ultrapassavam pouco, relutavam demais em infiltrar. Para piorar, embora pregue um modelo em que jogadores ocupem zonas do ataque, Tite tem dito que quer ver os homens que jogam pelo centro do ataque – no caso de ontem Richarlison, Éverton Ribeiro e Firmino – se movendo. Acontecia pouco. Encaixotada pelo centro, a seleção fez 31 cruzamentos e 40 bolas longas num jogo de 73% de posse de bola e raras chances claras.

E aqui vale uma ponderação: o contexto é terrível para todas as seleções no mundo, que passaram um ano sem se encontrar graças à pandemia, veem os calendários  exaurindo os jogadores, treinam muito pouco e sofrem com desfalques. O Brasil ontem não tinha Neymar, Coutinho, Casemiro, Fabinho… Foram sete cortes na lista original. Tite, ainda assim, tentou insistir no modelo de jogo que persegue e é justo esperar que, no futuro, tenha variações. Mas hoje, é até cruel pedir o tal “plano B” com tanta escassez de treinamentos. Por ora, o “plano B” é evoluir no “plano A”.

Tite fez ajustes na segunda etapa. Um deles, ensaiado já no primeiro tempo, rendeu frutos: inverteu os lados de Éverton Ribeiro e Firmino. Mais à esquerda, o meia do Flamengo dialogou  com Lodi, trocou  posições com o lateral, criou certa imprevisibilidade. No intervalo, Tite tirou Douglas Luiz, que não foi bem, e pôs Lucas Paquetá, tentando ter mais agressividade em seus iniciadores de jogada. Mais adiante, trocou as posições de Jesus, que foi para o centro do ataque, com Richarlison, que foi para a ponta direita.

Sem ser espetacular, a seleção melhorou um pouco. Mas o gol saiu justamente da movimentação, da mobilidade que faltava. Éverton Ribeiro se lançou pela direita e triangulou com Richarlison e Paquetá, autor de belo passe para o meia rubro-negro cruzar a bola que terminou na finalização de Firmino. E o gol, justiça seja feita, tem tudo a ver com o modelo que Tite busca. Após Éverton cruzar, quem disputa a bola na segunda trave é Lodi, que no sistema atual se transforma num ponta esquerda. Os cinco homens de frente estão envolvidos na jogada.

É natural que a seleção ainda tenha dificuldade de executar seu modelo. E o contexto diante da Venezuela era difícil. Mas Tite deve ter na cabeça que não tem sido fácil a migração para um jogo mais posicional. E o tempo de treino será sempre curto. É um dilema.