O futebol tem suas crueldades. Se com Domènec Torrent o Flamengo já ampliara a participação do goleiro no início da construção de jogadas, Rogério Ceni costuma dobrar a aposta. O que dava sentido à escolha pela volta de Diego Alves, explicada também pela experiência. Pois o novo velho titular não suportou mais do que 55 minutos até sentir cãibras. Hugo voltou, mas foi ao limite ao tentar um drible como último recurso após se atrapalhar em bola mal recuada por Léo Pereira. O lance sentenciou o jogo e o 2 a 1 para o São Paulo na abertura das quartas de final da Copa do Brasil.

 

Talvez o jogo seja lembrado pelo erro de Hugo. Para ele, uma lição. Para uma análise do futuro do Flamengo na temporada, um reducionismo. Houve muitas outras nuances a apreciar. Entre elas, um Flamengo que em nova troca de técnico tem novas mudanças drásticas de ideias. E claro, todas embrionárias. Só que, ao contrário do que indica o placar, foi sem a bola que se viu um caminho mais promissor de evolução.

O jogo de ontem não entrega tudo sobre o que pretende Rogério Ceni, que comandou um único treino. E nem poderia, afinal era uma estreia. Em parte, o plano traçado por ele parecia responder a circunstâncias específicas da partida: pouco tempo de trabalho, falta dos meias Everton Ribeiro e Arrascaeta ? este ao menos para iniciar o jogo?, e um adversário com defesa avançada e nem sempre protegida. E, diga-se, Ceni vem tendo neste início de carreira a adaptabilidade como uma de suas principais marcas.

 

Com uma linha ofensiva de quatro homens com características de atacantes, naturalmente o Flamengo não seria um time de retenção de bola. Gabigol e Bruno Henrique formavam dupla pelo centro do ataque, com Vitinho mais à direita e Michael à esquerda num sistema que variava entre o 4-4-2 e o 4-2-4. O Flamengo parecia programado para o desarme seguido de estocadas rápidas, em poucos toques. Um jogo essencialmente vertical. A rigor, era uma guinada até radical em relação ao modelo proposto por Torrent que, diga-se, também se adaptou a ataques mais rápidos quando as circunstâncias pediram. Na estreia de Ceni, é justo dizer que o plano funcionou na primeira etapa. Com apenas 45% da posse de bola, o Flamengo foi para o vestiário com sete finalizações contra nenhuma do rival. Esteve mais perto de ganhar.

Foi com esticadas de bola buscando as costas da defesa paulista que o Flamengo criou suas primeiras chances:  num passe em profundidade, Gabigol achou Vitinho, obrigando Volpi a salvar; depois, Michael lançou Gabigol, que marcou mas o lance foi anulado por impedimento. E foi num desarme seguido de aceleração rumo à área adversária que Vitinho quase deu o gol a Bruno Henrique.

Será este tipo de ataque rápido, com pouca preocupação em manter a posse a marca do Flamengo de Ceni? Difícil dizer. Parece provável que  a soma de desfalques, treinador recém-chegado e estilo do rival  tenham moldado a forma de o Flamengo atacar. O tempo pode trazer variações e mais controle pela bola, algo que faz parte do repertório de Rogério. Ao menos na estreia de ontem, quando precisou construir de forma mais pausada no segundo tempo, o time teve problemas ? e neste tipo de ataque, evoluía bem com Torrent.

Mas era sem a bola que o Flamengo ia muito mal com o espanhol. E foi defendendo que o rubro-negro exibiu seus maiores sinais de evolução, apesar do placar. No início, marcando mais atrás e, aos poucos, pressionando mais no campo ofensivo. E, mesmo quando o fazia, recuava linhas ao perceber que o time paulista ameaçava vencer a pressão. Das duas formas, conseguiu defender de maneira mais compacta, coordenada e agressiva. Quando pressionava na frente, a linha de defesa acompanhava o movimento do time e reduzia espaços. E isto mesmo com muito pouco tempo de trabalho. O Falmengo não permitiu ao São Paulo os espaços ofertados no 4 a 1 de dez dias atrás.

Mas se foi, dentro de sua proposta, melhor no primeiro tempo, o Flamengo da segunda etapa teve mais problemas. Primeiro, ao ver sua defesa ser batida no belo passe de Gabriel Sara para o gol de Brenner, que penetrou no espaço entre Matheuzinho e Gustavo Henrique. O gol foi logo compensado pelo lance, de novo rápido e vertical, que originou o empate de Gabigol, mais ativo em seu reencontro com Bruno Henrique como dupla de ataque.

Acontece que, em seguida, o Flamengo perdeu a capacidade de pressionar e, por 20 a 25 minutos, aceitou não ter a bola e marcar atrás. Não sofria tanto, tampouco construía. Deixava o jogo acontecer em seu campo defensivo. A intervenção de Rogério Ceni, a princípio, parecia cautelosa: saiu Gabigol e entrou Thiago Maia. Mas a ideia foi ter Thiago partindo do lado direito do 4-4-2 rubro-negro, passando Vitinho para a esquerda e transformando em Arrascaeta num segundo atacante próximo a Bruno Henrique. O Flamengo ganhou vigor físico e voltou a recuperar bolas. E foi assim que teve algumas chances, como no chute de Arrascaeta que Volpi pegou. Em jogadas mais articuladas, com pausa, raramente ofereceu perigo.

No fim das contas, era um Flamengo que iniciava uma transição de ideias e, mesmo assim, via caminhar para o empate um jogo que poderia muito bem ter vencido. Até a infelicidade de Hugo decretar o resultado. Mas o futuro não parece tão ruim quanto o placar do Maracanã.