A classificação do Fluminense para a final da Taça Guanabara pode ser definida como um triunfo de uma ideia. Ou como um triunfo da coragem. Talvez tenha sido as duas coisas, a coragem para executar uma ideia ousada contra um rival de altíssimo investimento e que, em teoria, tinha muito mais talentos e jogadores de renome. Mas foi com o modelo de Fernando Diniz que o Fluminense buscou a vitória até o fim. Nem o poderio técnico do Flamengo, nem a necessidade do gol nos minutos finais fez o tricolor abandonar suas convicções.
Fernando Diniz cita com frequência a palavra coragem. Não que considere seu plano algo suicida. Ao contrário, entende que um modelo bem treinado torna-se a forma mais segura de enfrentar qualquer rival. A coragem, para ele, reside no fato de ver seu time se engajar na execução da proposta de jogo.
? É fruto do trabalho coletivo, de todo mundo acreditar. E da coragem dos jogadores para executar. Era combinado que, no segundo tempo, se o jogo se arrastasse com um empate, teríamos que assumir mais riscos ? disse o técnico. Ele terminou o jogo com Calazans, que é atacante de origem, e Caio Henrique, que é meia, nas duas laterais. E jamais abriu mão de tentar sair jogando, inclusive com o goleiro Rodolfo:
? Futebol, para mim, é você ter inteligência, disposição e coragem para usar os espaços que o jogo permite. Para construir desde lá atrás, o goleiro é fundamental para usar aquele espaço e iniciar a jogada. Precisa ter bom jogo com os pés, mas não é necessário que seja excepcional. Porque o time é que precisa se mover para facilitar para o goleiro. Com os treinos eles estão ganhando confiança, e têm inteligência e coragem.
Havia uma certa curiosidade em torno da estratégia de Fernando Diniz para o clássico com o Flamengo. A capacidade técnica dos homens ofensivos do time rubro-negro impunha um dilema: manter a ideia de avançar o time e pressionar o rival no campo contrário poderia deixar espaços às costas. Mas o técnico manteve sua forma de jogar, a ideia que vem implementando no clube. A vitória reforça convicções.
? Em nenhum momento pensei em mudar. O que precisa fazer em jogos assim é tornar o time mais equilibrado, como aconteceu hoje. São ajustes finos. Ao colocar o time na frente, se todo mundo estiver agrupado e concentrado, você fica bem protegido. Hoje, tivemos atenção, sabíamos que eles iam o usar contra-ataque, e até tiveram chances. Mas não temos como controlar tudo. Estamos evoluindo, conseguindo atacar de forma mais consistente sem deixar espaços ? analisou o treinador.
Algumas das adaptações para o jogo de hoje incluíram uma posse de bola mais cuidadosa, agrupando menos homens à frente da linha da bola em dados momentos. O time até teve alguma dificuldade de criar, apesar da posse de bola de 62%. Por vezes, faltou profundidade. Mesmo assim, ter as rédeas do jogo através da troca de passes e do agrupamento da equipe foi conseguido. O Fluminense trocou 423 passes certos, contra apenas 267 do Flamengo, de acordo com números do “Footstats”.
? Estamos num início de trabalho, tem muita coisa que precisamos melhorar ? disse Diniz, tratando de evitar que a vitória ganhe um peso demasiado.
Num Fla-Flu cercado por um forte contexto emocional, Diniz exibiu outra de suas facetas: o entendimento de que o futebol é parte da vida, mas não o aspecto mais importante dela.
? A gente não pode fazer uma associação entre os eventos recentes e uma partida de futebol. O que aconteceu no CT do Flamengo, em Brumadinho ou a morte do Ricardo Boechat ou da Bibi Ferreira, tudo isso são coisas muito mais importantes do que um Fla-Flu. Disse aos jogadores que precisamos é valorizar este momento, o fato de estarmos vivos, o privilégio de participarmos de jogos como este. Então, tínhamos que imprimir o máximo de amor e paixão pelo que fazemos.
Fonte: O Globo