Já houve o Fla-Flu da Lagoa, o Fla-Flu do gol de barriga, o Fla-Flu do recorde de público de 1963… O desta quinta-feira independia do que ocorresse em campo para ter seu lugar na história: o Fla-Flu dos meninos do Ninho.
Ou talvez o Fla-Flu do minuto de silêncio mais silencioso da história do Maracanã, do ambiente até então inédito no estádio de duas torcidas um tanto cerimoniosas nos gritos e provocações antes do clássico, enquanto se cumpria um bonito, embora triste cerimonial de homenagens.
Até o momento em que, por mais que a sombra da tragédia e do trauma pairassem sobre o jogo, o futebol se encarrega de impor sua força, sua vitalidade. Logo, seria um Fla-Flu com todos os seus ingredientes, menos a técnica refinada: tensão, discussões, faltas, cartões. Em dado momento, o impulso competitivo faz o jogo acontecer. Nele, o gol de Luciano, nos acréscimos, fez mais do que classificar o Fluminense para a final da Taça Guanabara. Compensou em dramaticidade um jogo raramente bem disputado, truculento.
Sai desta semifinal um Fluminense de convicções reforçadas. Foi ao seu jeito, correndo os riscos que decidiu correr, que o time de Fernando Diniz controlou um Flamengo tecnicamente mais dotado.
Sai da semifinal um Flamengo que já iniciara o ano com o compromisso de evoluir coletivamente. Agora, tem outra missão: reerguer-se moralmente. Após a tragédia do Ninho, o gol sofrido no último lance é outra punhalada.
Talvez o ponto de inflexão da noite tenha sido a passagem dos dez minutos, quando os balões brancos na torcida do Flamengo foram estourados, a música que homenageava as dez vítimas novamente cantada e a cerimônia encerrada. Afinal, era preciso jogar pelos meninos, realizar o sonho que o destino não lhes permitiu cumprir.
Veio um duelo de ideias claras, opostas, mas nem sempre bem executadas. O mérito tricolor foi a coragem para se adiantar e marcar em espaços grandes um Flamengo tão perigoso no ataque. Mas o Fluminense persistiu na ideia, saiu sempre tocando de trás, por várias vezes superou a marcação rubro-negra com toques curtos e abriu campo. Mas era um time que, ciente do risco da perda da bola, tinha uma posse cuidadosa, não acumulava tantos homens à frente da linha da bola e, com isso, tinha pouca profundidade.
O Flamengo não se incomodou com a posse tricolor. Ao retomar a bola, tentava ser vertical para atacar espaços, com Éverton Ribeiro buscando o centro e Arão, mais desmarcado, surgindo como desafogo.No contragolpe, veio a melhor chance, quando Gabriel serviu Bruno Henrique. Depois, num córner, Rhodolfo cabeceou com perigo.
Mas era um Fla-Flu tão peculiar que até julgamentos ficam prejudicados. Todos os pensamentos remetem ao inevitável “e se não fosse a tragédia??. O Flamengo tinha poucas ideias diante da marcação adiantada do Fluminense ou era um time travado pelo trauma? Os erros técnicos tinham ligação com as lembranças avassaladoras do incêndio?
Impossível saber. Fato é que o segundo tempo teve o toque de Fernando Diniz em substituições cada vez mais ousadas. Abel, por sua vez, viu o Flamengo ficar mais tempo no campo rival, mas ao trocar Éverton Ribeiro por Arrascaeta, e depois Diego por Vitinho, viu o time se partir em dois. Não havia pausa, retenção da bola num jogo em que o empate favorecia.
O Fluminense não era tão perigoso, mas teve o mérito da persistência na construção das jogadas. Até que Yoni deu a Luciano a bola do gol decisivo. O Maracanã era um grande contraste a esta altura. Êxtase tricolor e um Flamengo que desmoronou ao apito final.
Fonte: O Globo