Quem acompanha A Fazenda 12 viu vários participantes tomados por ataques de fúria ou em atitudes tresloucadas. Como esquecer Raissa Barbosa berrando, Luiza Ambiel aos prantos e Jojo Todynho fora de si correndo nua pela sede?
Esse clima de histeria faz bem ao reality show da RecordTV. Há quase dois meses no ar, derrotou a Globo em algumas noites, mobiliza as redes sociais e gera imensurável visibilidade na mídia para a emissora paulista.
Não é novidade que o público vibra com ‘tiro, porrada e bomba’ ao ver esse gênero de programa. Mas será que tanto estresse emocional não gera consequências graves aos participantes e também aos telespectadores?
O blog ouviu o terapeuta, filósofo e escritor Carlos Florêncio, especialista em desenvolvimento humano, para entender melhor essa situação.
Por que a maioria do público de casa sente tanta euforia e prazer ao testemunhar discussões, gritos e outras manifestações de descontrole emocional? Trata-se de sadismo?
Temos que primeiro considerar algumas das situações. Na televisão, o drama sempre gera mais audiência. Então, consequentemente, haverá mais discussão, intriga e conflito. Nesses cenários se criam um réu, uma vítima e juízes que vão condenar. Ou seja, favorecer uma pessoa em detrimento de uma outra. Alguém sempre será o vilão e outra pessoa, a vítima. Mesmo sem querer irão proporcionar situação melodramática na casa. Resumindo, mesmo quem não quer ser movido pela emoção, ao entrar em confinamento exposto já estará desestabilizado.
As confusões vistas em programas como A Fazenda, Big Brother Brasil e De Férias com o Ex podem se tornar gatilho para acionar ansiedade e agressividade interna no telespectador?
Sim, com certeza. Está sendo transmitido um reality show, um game, onde os telespectadores podem opinar e intervir. Existe toda uma questão de privilegiar uma pessoa ou outra de acordo com seu caráter, sua personalidade, valores éticos e morais em jogo. Existem muitas coisas ao mesmo tempo, juntas e misturadas, e valendo a vitória na competição. As pessoas que estão assistindo vão se identificando com as situações internas. Essa associação pode estimular a adrenalina e acionar gatilhos no telespectador. E, ao associar pessoas com quem ele se relaciona com certos participantes desses programas, pode influenciar as relações de sua própria vida fora.
O distanciamento social imposto pela pandemia de covid-19 gerou confinamento domiciliar semelhante ao dos reality shows. Como a solidão (no caso de quem mora sozinho) e a hiper convivência familiar (no caso de quem divide espaço com várias pessoas) afeta o emocional e o comportamento das pessoas?
Toda situação na qual se vê sozinha, a pessoa automaticamente desenvolve uma espécie de ‘amigo imaginário’ que, na verdade, são seus próprios pensamentos. Nós somos seres comunicadores, então, sentimos muito a falta da troca com outras pessoas. No momento de uma pandemia, a solidão pode gerar melancolia, ansiedade e tristeza, provocar a perda de estímulos. Da mesma forma, quando várias pessoas estão em confinamento em um mesmo espaço, o nível de intolerância e paciência vai sendo deixado de lado. Pode ser uma troca muito agregadora se estiverem psicologicamente preparadas para tal convívio.
A verborragia e as falas agressivas de Jojo Todynho são apenas um traço de personalidade ou podem representar um transtorno emocional?
Primeiramente, temos que levar em consideração que Jojo é vítima de uma sociedade desequilibrada e movida pelo preconceito, com separação brutal de classes e raças. Há uma população que para viver precisa se defender constantemente. Isso se agrava com o racismo e a gordofobia enraizados. Muito da fama e do sucesso da Jojo aconteceram por suas características e a personalidade dela. Sempre fala o que pensa, às vezes parece agressiva, assim como Dercy Gonçalves. O jogo é assim e explora esse seu jeito. Uma pessoa única, movida por suas ideias e seu humor.
A presença em um reality show como A Fazenda pode gerar transtornos emocionais nos participantes, como depressão e síndrome do pânico?
Tudo pode acontecer quando você está em uma situação de estresse. Estão em jogo a sua verdade e a sua moral. No caso de um reality show, existem muitas fofocas e intrigas. Essa composição de coisas ruins pode afetar algumas pessoas e servir de gatilho para transtornos emocionais.
Quais lições positivas podemos tirar desse formato de reality show para o desenvolvimento humano?
Sugiro ao telespectador focar nas partes em que os participantes estão sendo verdadeiros e honestos, ao invés de se apegar às rixas e aos conflitos movidos pelo desejo de ganhar, às vezes até de uma forma suja.
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Fonte: Terra Saúde