Thomas Bach, presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), pode ter indicado o que acontecerá após a discussão mundial sobre a Regra 50, aquela que proíbe qualquer tipo de demonstração ou propaganda política, religiosa ou racial, em qualquer evento olímpico. Pressionada pelo momento atual, a entidade colocou o tema em discussão com as comissões de atletas do mundo inteiro. Lançaria em outubro uma pesquisa para que os atletas pudessem opinar a respeito, mas um artigo de Bach, publicado neste sábado no jornal inglês The Guardian, sugere que estas mudanças não acontecerão tão cedo.
Com o título “A Olimpíada é sobre diversidade e unidade, não sobre política e lucro; Boicotes não funcionam”, Bach diz que “os Jogos Olímpicos são, em primeiro lugar, sobre esporte. Os atletas personificam os valores de excelência, solidariedade e paz. Eles expressam essa inclusão e respeito mútuo também por serem politicamente neutros no campo de jogo e durante as cerimônias. Às vezes, esse foco no esporte precisa ser conciliado com a liberdade de expressão que todos os atletas desfrutam nos Jogos Olímpicos. É por isso que existem regras para o campo de jogo e para as cerimônias que protegem esse espírito esportivo. O poder unificador dos Jogos só pode se desenvolver se todos mostrarem respeito e solidariedade uns com os outros. Caso contrário, os Jogos irão cair em um mercado de manifestações de todos os tipos, dividindo e não unindo o mundo?.
No texto ele diz também que “os Jogos Olímpicos não são sobre política. O Comitê Olímpico Internacional, como uma organização civil não governamental, é estritamente neutra em termos políticos em todos os momentos”. Também afirma que “os Jogos Olímpicos não podem evitar guerras e conflitos. Nem podem abordar todos os desafios políticos e sociais em nosso mundo. Mas eles podem dar o exemplo para um mundo onde todos respeitam as mesmas regras e uns aos outros”.
Bach conta sobre duas experiências pessoais quando, na sua opinião, a política prejudicou os atletas: disse que viu a desolação dos atletas africanos, obrigados a deixar a Vila, após decisão de última hora de seus governos em boiciotar os Jogos de Montreal, em 1976. E também sobre o boicote em Moscou, em 1980, “que nos puniu por algo que não tínhamos nada a ver”. À época ele era presidente da Comissão de Atletas da Alemanha Ocidental e disse ter sido “humilhante quando a voz dos atletas não foi ouvida pelos representantes políticos. E que não considera um consolo mas sim, uma mostra de que estavam certos, quando ficou claro que o boicote não teve qualquer efeito político e que apenas puniu as pessoas erradas”.
Meses atrás, o dirigente alemão mostrou, no auge dos protestos pelo assassinato de George Floyd por policiais brancos nos Estados Unidos, que estava disposto a discutir o assunto com a comunidade mundial. Sofreu grande pressão, incluindo da Global Athlete, uma coalizão de atletas de todo o mundo, que pediu a extinção da Regra 50.
O presidente da Federação Internacional de Atletismo, Sebastian Coe, chegou a afirmar no começo deste mês que acredita que os atletas têm o direito de fazer gestos de protesto político durante os Jogos, contrariando a política oficial do COI.
Hoje, os atletas só podem se manifestar livremente nas entrevistas em zonas mistas e no centro de imprensa, sendo proibido os demais locais e ocasiões, como no pódio, cerimônia de abertura e encerramento, vila dos atletas, campo de jogo e etc.
Os atletas que quebram a regra estão sujeitos a penas disciplinares analisadas caso a caso. Segundo o COI, ainda na contramão da NBA, NFL e F-1, a norma, que consta da Carta Olímpica, tem como objetivo “proteger a neutralidade do esporte e dos Jogos Olímpicos”.
Recentemente, o COI demonstrou pouco envolvimento em relação a questões políticas relacionadas aos atletas pela neutralidade do esporte.
Reeleito presidente da Belarus de forma polêmica em agosto, Alexander Lukashenko, que também comanda o comitê olímpico nacional, estaria perseguindo atletas opositores.
O COI comunicou que investigaria as várias queixas de ‘discriminação política’. Mas disse também que recebeu do comitê nacional a garantia de que o “processo de seleção para a equipe olímpica será determinado estritamente por suas performances e resultados”.
No entanto, a jogadora de basquete Yelena Leuchanka, chegou a ser presa durante 15 dias por protestar contra a violência policial no país.
Outro caso que gerou mal estar e indignação foi o do lutador Navid Afkari, executado por enforcamento no Irã,por participar de protestos contra o governo local. Ele teria confessado, sob tortura, o assassinato de um segurança.
“Respeitando a soberania da República Islâmica do Irã?, Bach chegou a fazer um apelo, por carta, ao presidente do Irã pedindo clemência ao lutador. E só.
Assim, a Olimpíada de Tóquio, adiada para 2021 por causa da pandemia do novo coronavírus, provavelmente testará a Regra 50 se o COI não a alterar de forma considerável ou a abolir.
Fonte: O Globo