Se o parâmetro for a qualidade individual, a quantidade de homens talentosos no elenco ou o nível de investimento, é justo dizer que o Flamengo será favorito contra o Racing, da Argentina, nas oitavas de final da Libertadores. No entanto, caso se mantenha fiel a um DNA, nenhum destes obstáculos deverá afastar o time de Sebastian Beccacece de sua característica: competir com o rubro-negro pelo controle da bola, seja em Buenos Aires, no dia 24 de novembro, ou no Maracanã, uma semana depois.

O Racing foi o recordista de posse de bola na fase de grupos da Libertadores: 66,6% em média. Divide a marca com o Independiente del Valle, que foi rival do Flamengo. A equipe é também a que mais passes trocou por 90 minutos, com média de 537,5.

Pouco incisivo

Auxiliar de Jorge Sampaoli por mais de dez anos, Beccacece guarda em seu modelo algumas similaridades com o hoje treinador do Atlético-MG. A trajetória dos dois inclui a conquista da Copa América de 2015 com o Chile, um ano após quase protagonizarem feito histórico: o chute de Pinilla que pegou no travessão do Mineirão poderia ter eliminado o Brasil na Copa de 2014.

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Ao que tudo indica, Beccacece irá brigar pela posse de bola com a equipe de Domènec Torrent. Mas não por vê-la como finalidade. Sua ideia é ter iniciativa, protagonismo dos jogos, mas chegar ao gol de forma rápida, em poucos toques. Seu modelo de ataque tem conceitos de um jogo posicional, com atenção à ocupação de espaços no campo ofensivo, como Dome tenta implantar no Flamengo.

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O Racing tem bom controle da bola, organização e a capacidade de trocar passes, mas por vezes falta infiltração na defesa rival, agressividade. Marcou nove gols nos seis jogos da primeira fase da Libertadores e é apenas o décimo colocado na qualidade das chances criadas, ou seja, na medição da expectativa de gol a cada finalização realizada.

? O Racing aposta em ter a bola e usa os pontas para fazer um ataque mais posicional. Mas quer atacar rápido. Tem uma ideia de jogo clara, um bom treinador. Mas falta eficácia. Custa ao time transformar este bom jogo em situações de gol ? avalia Vicente Muglia, analista tático do “Diário Olé?.

Dilema tático

Uma questão se coloca para o duelo. O Flamengo de Domènec também é, por característica, um time que procura ter a bola e criar chances de gol. No entanto, mostrou um lado flexível nesta Libertadores. Quando recebeu no Maracanã um Independiente del Valle disposto a competir pela posse, além de jogar com uma defesa adiantada e por vezes mal posicionada, Torrent fez o Flamengo buscar jogadas rápidas às costas dos defensores rivais. Resta saber se adotará uma postura adaptável neste duelo.

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Mas há uma diferença, porque o Racing tem sofrido poucos gols, parece se defender bem apesar do estilo ofensivo: foi vazado apenas quatro vezes em seis jogos da fase de grupos. E como Beccacece pode causar dano ao Flamengo? Primeiro, pela tentativa de jogar em velocidade pelos lados do campo e, segundo, pela boa qualidade técnica de seus jogadores de meio.

Meias com técnica

Boa parte do início da construção se concentra no chileno Marcelo Díaz, de 33 anos, muito influente no trabalho de bola. Ele costuma ser o único volante num 4-1-4-1. À frente dele, jogam dois meias de características distintas. Mais à esquerda está Leonel Miranda, levado para o Racing pelo técnico, que o dirigiu em 2019 no Defensa y Justicia, clube modesto que Beccacece conduziu à disputa do título argentino até a rodada final. Dono de bom passe, é um organizador. À direita tem jogado o paraguaio Melgarejo. Com passagens por Benfica e Spartak Moscou, é um homem mais incisivo, que por vezes se aproxima como segundo atacante ou busca a profundidade pelo lado.

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Matías Rojas, que vem de lesão, é outra opção importante de meia ofensivo e pode ser titular. A variedade de características já permitiu a Beccacece alternar, por exemplo, para um 4-4-2.

Nas pontas, o treinador tem como opções Montoya, que teve passagem pelo Grêmio, e o veloz Fértoli. O artilheiro do time na Libertadores é o centroavante Nicolás Reniero, por quem o Racing pagou US$ 4 milhões ao San Lorenzo em 2019. Ele fez três gols, mas a esperança para retomar a capacidade goleadora é a recuperação física de Lisandro López: aos 37 anos, é ídolo do clube e um líder do time. No último jogo da fase de grupos, contra o Estudiantes da Venezuela, ele entrou no segundo tempo.

Outra questão foi a perda do meia Zaracho para o Atlético-MG. É uma ausência sentida, embora o time tenha se habituado a jogar sem ele: uma lesão o impediu de atuar desde a volta do futebol após a paralisação pela pandemia da Covid-19.