Mal começamos, e o leitor, com toda razão, deve ter concluído que se trata de uma confissão de absoluta incompetência do colunista. Afinal, se um cronista pretensamente especializado em futebol acha difícil preencher algumas linhas sobre o maior jogador da história, será capaz de escrever sobre quem?
Só resta transferir responsabilidade: a culpa é de Armando Nogueira. Em certa altura de sua monumental carreira, Armando disse que “Edson Arantes do Nascimento, se não tivesse nascido gente, teria nascido bola?. É tão definitivo que não há saída além da rendição: nada mais parecerá minimamente inteligente ou original.
Mas há outros “culpados?. Pelé é daqueles seres especiais que, desde cedo, dispensaram perspectiva histórica ou estatísticas de carreira consolidada para fazer todo o público perceber que ali estava um gênio. Mas como traduzir em palavras a dimensão de sua obra depois que Nelson Rodrigues, ainda em 1959, escreveu que “Pelé poderia virar-se para Miguel Ângelo, Homero ou Dante e cumprimentá-los com íntima efusão: ? Como vai, colega??. Pouco resta a ser dito. Gênios inspiram gênios.
Pelé (agachado) posa com o Congo Brazzaville. A presença do time do Santos no Congo, em 1969, parou a guerra civil no país por três dias Foto: ArquivoPelé comemora milésimo gol depois da vitória de 2 a 1 sobre o Vasco da Gama, no Maracanã Foto: Arquivo – 19/11/1969Pelé posa diante do número 1.000, depois de atingir a marca com um gol de pênalti feito no Vasco, em 1969 Foto: Keystone Features / Hulton ArchivePelé, que atuou profissionalmente apenas por dois clubes ? Santos e Cosmos (Nova Iorque, Estados Unidos), vestiu a camisa do Flamengo em jogo beneficente, reforçando o time de Zico Foto: Sebastião Marinho / Agência O Globo – 06/04/1979Pelé toca violão ao lado do músico e compositor Billynho Blanco Foto: Divulgação – 07/11/1981
Pelé, o recruta 201, presta continência ao seu companheiro de futebol, o zagueiro Coronel Foto: Agência O Globo – 15/09/1959Pelé e Renato Aragão durante gravações do filme "Os Trapalhões e o Rei do Futebol", no Maracanã, que contou com a figuração de 121 mil pessoas, que lotavam o estádio para ver o Vasco conquistar a Taça Guanabara em viótria de 2 a 0 sobre o maior rival, o Flamengo Foto: José Doval / Agência O Globo – 20/04/1986Magic Johnson, jogador de basquete, e Pelé, na praia de Copacabana. As lendas do esporte trocaram Foto: Jorge William / Agência O Globo – 05/02/1995Pelé e o ex-goleiro Emerson Leão, na formatura do curso de Educação Física na Universidade Metropolitana de Santos (Unimes), em 1974 Foto: Reprodução / Alexandre Cassiano / Agência O GloboNomeado em 1995, Pelé foi o primeiro ministro dos Esportes do país, pasta criada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso no primeiro ano de governo, com a nomeção de Edson Arantes do Nascimento. O principal legado foi a lei 9.615 de 24 de março de 1998, conhecida como Lei Pelé', que regulamenta o futebol brasileiro Foto: Ed Ferreira / Reuters – 06/08/1997
Pelé comemora o reconhecimento de 6 títulos nacionais que ganhou como jogador do Santos Futebol Clube, durante cerimônia no Itanhangá Golfe Clube, na zona oeste do Rio de Janeiro Foto: Paulo Vitor / Agência EstadoPelé beija a taça Jules Rimet, no início da década de 70 Foto: DivulgaçãoPelé beija estátua dele mesmo, em exposição sobre sua vida na Casa França-Brasil Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo – 22/04/2002O astro do futebol brasileiro Ronaldo Luiz Nazário de Lima posa com Roberto Carlos o Rei Pelé, após a cerimônia de premiação da FIFA na Disneylândia frabcesa, em Marne La Vallee, no leste de Paris. Ronaldo, que atuand pelo Inter de Milão, foi eleito Jogador do Ano pelo segundo ano consecutivo, e Roberto Carlos, então lateral do Real Madrid, terminou em segundo lugar Foto: Charles Platiau / Reuters – 12/01/1998Pelé grava participação em filme para promover a Rio 2004, quando o Rio se candidatou às Olimpíadas Foto: Julio César Guimarães / Agência O Globo – 04/11/1996
Pelé posa com o então Ministro da Cultura Gilberto Gil, na véspera do sorteio final da Copa do Mundo de futebol da Fifa de 2006 Foto: Franck Fife / AFP – 08/12/2005Presidenta Dilma Rousseff recebe Edson Arantes do Nascimento. o Pelé, no Palácio do Planalto, em Brasilia Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo – 26/07/2011Pelé é coroado como rei, com coroa e cetro, em jogo de despedida da Seleção Brasileira, no amistoso com a Áustria, que terminou em 1 a 1, no Morumbi, em São Paulo Foto: Arquivo / Agência O Globo – 10/07/1971Pelé e Xuxa namoraram por seis anos na década de 1980, quando ela, que posteriormente também seria da realeza brasileira, como a 'rainha dos baixinhos', tinha 18 anos e o Rei, 41 Foto: Arquivo – 01/02/1982Quem foi melhor é uma questão de opinião, mas os números mostram que o brasileiro foi mais goleador: 1282 gols, contra 346 do argentino ? mais que o triplo Foto: Arquivo – 16/03/1987
Pelé abraça Oscar Schmidt durante comemoração da conquista do bicampeonato estadual de basquete masculino, na Gávea, Zona Sul do Rio Foto: Ivo Gonzalez / Agência O Globo – 17/12/1999Ex-jogador Pelé chega de andador a evento em São Paulo no ano de 2018 Foto: Leonardo Benassatto / Pelé recebe de Thomas Bach, então presidente do COI, e de Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do COB, a Ordem Olímpica, maior honraria concedida pelo COI Foto: Pedro Kirilos / Agência O Globo – 16/06/2016Inauguração do Centro de Treinamento Pelé Academia, em Resende, no sudoeste do estado do Rio de Janeiro Foto: Márcio Alves / Agência O Globo – 11/12/2018Pelé é atendido após sofrer um corte no supercílio, num choque com Fontoura, no empate entre Vasco 2 x 2 Santos, pelo Torneio Rio-São Paulo, no Maracanã Foto: Agência O Globo – 16/02/1963
Pelé sorri ao lado de Rivelino Foto: Arquivo / Agência O Globo – 08/12/1968Pelé durante gravação de anúncio comercial para um empreendimento imobiliário na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio Foto: Eurico Dantas / Agência O Globo – 12/11/1991
Aliás, conta-se que houve até ocasiões, por certo raras, em que Pelé jogou mal. Ou jogos em que parecia interferir, influenciar menos do que de costume. Jornadas que inspiraram Nelson a advertir que a atuação apagada do Rei era apenas uma impressão equivocada, afinal “Pelé, mesmo em casa lendo um gibi, infunde um pânico religioso?. O que dizer, então, da multidão que, indomável como só ela, certa vez cometeu o pecado de vaiar uma santidade do futebol? Somente o dom inigualável de Nelson poderia colocar as coisas em seus lugares: “Se Pelé pode ser crucificado em vaias, cessam todos os valores morais. Podemos invadir berçários para esganar criancinhas?.
O que talvez defina os gênios é a capacidade de deixar cada espectador convicto de que está diante de um deles. Transmitir em cada exibição a sensação de que se está vivendo um momento eterno, ter a capacidade de reformar crenças. Ou, como escreveu Eduardo Galeano, “os que tivemos a sorte de vê-lo jogar, recebemos dele oferendas de rara beleza: momentos desses tão dignos de imortalidade que a gente pode acreditar que a imortalidade existe.?
A seleção de 1970
Em 1970, talvez na mais sublime reunião de talentos que o futebol já produziu, Pelé era um gênio cercado de mentes privilegiadas. Uma delas, Tostão. Mais tarde convertido em cronista, escreveu: “A perfeição não é humana; o craque Pelé é exceção?. É brilhante.
Gênios têm a capacidade de não apenas elevar a sua arte, o seu ofício. A existência de Pelé não tornou apenas o futebol melhor. Gênios tornam melhor o mundo que os rodeia. Pelé, 80 anos hoje, deu nova graça, cor e vida à arte de escrever sobre futebol. Porque só um dom especial, uma inspiração sobrenatural ou uma genialidade de exceção permitia traduzir em palavras o futebol de um Rei. Artista que compôs obras de arte com os pés, foi também a razão de algumas das mais belas páginas da crônica esportiva brasileira. E que certa vez fizeram um aspirante a cronista, hoje impotente diante da genialidade dos mestres e da obra de Pelé, se apaixonar pelo ofício.