A defesa da atleta Carol Solberg, do vôlei de praia, decidiu que vai entrar com recurso no Órgão Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Voleibol até quarta-feira. Na última terça-feira, em julgamento neste tribunal, em primeira instância, ela foi condenada, por três votos a dois, em um dos artigos em que foi denunciada, o 191 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), por descumprir regulamento, ao falar “Fora Bolsonaro” após uma partida. A multa foi convertida em advertência. Ela foi absolvida no artigo 258, sobre disciplina e ética desportiva. Tanto a defesa quanto a procuradoria tem o prazo máximo de até quarta-feira para dar entrada com o recurso.

Carol disputou a segunda etapa do Circuito Brasileiro, neste último final de semana, em Saquarema, e ainda não deu entrevistas sobre o resultado do julgamento.

Via nota a defesa da atleta disse que “recorrerá tendo em vista que o fato é atípico e que nem o Código Brasileiro de Justiça Desportiva e nem o Regulamento das competições proíbem expressamente a conduta da atleta”.

Tullo Cavallazzi Filho, presidente da Comissão Nacional de Direito Desportivo da OAB, explica que, nesta segunda instância, o tribunal, com outros auditores, vai analisar a decisão inicial e se a advertência recebida pela atleta deve ser mantida ou se ela merece a absolvição. Mas, caso a procuradoria também entre com um recurso, a atleta pode ter a pena aumentada. Ele, que não faz parte da defesa nem da procuradoria, lembrou que o prazo para protocolar o recurso é té quarta-feira.

Novo Caso Bosman

A defesa de Carol afirma que a liberdade de expressão dos atletas durante suas competições é pauta mundial e que esse caso pode ser um verdadeiro marco em termos de política esportiva em todo o mundo. O próprio Comitê Olímpico Internacional (COI) discute atualmente suas restrições em relação ao tema.

? O caso é a oportunidade de colocar o Brasil na vanguarda das discussões acerca da compatibilização entre as normas públicas e privadas de natureza esportiva e pode ser um pontapé inicial para uma extraordinária quebra de paradigmas, nos moldes do que representou o próprio Caso Bosman no âmbito da União Europeia, com uma reformulação legislativa de escala global, tornando ilegais as determinações até então em vigor. Esse pode ser o novo caso Bosman do esporte ? acredita o advogado Leonardo Andreotti, especializado em direito desportivo.

O belga Jean-Marc Bosman revolucionou a regulamentação do futebol mundial ao provocar a extinção do chamado “passe?, após sentença proferida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a seu favor.

Ele enfrentou poderosas entidades como a UEFA e a FIFA porque queria apenas trocar de clube. Em 1990, Bosman tinha 26 anos quando o seu contrato com o Liège chegou ao fim. O clube belga fez uma proposta de renovação, mas com uma redução grande de salário. O jogador não aceitou e tentou ir para o Dunkerque, da França. O negócio não evoluiu porque, mesmo sem contrato em vigor, o Liège exigiu um valor para liberar Bosman, inviabilizando a contratação pelo clube francês.

Bosman ficou preso. Não aceitou a redução imposta pelo clube belga e não conseguiu se transferir para a equipe francesa. Foi suspenso pela federação belga. Para ter liberdade de trabalho, decidiu comprar uma briga judicial gigante.

Cinco anos depois, foi declarado que as regras de transferência e as cláusulas de nacionalidade não lhe eram aplicáveis, considerando-as incompatíveis com as regras do Tratado de Roma sobre concorrência e livre circulação dos trabalhadores.

O Caso Bosman transformou o futebol europeu no primeiro momento, mas sua essência se espalhou pelo mundo. Três anos depois da decisão, no Brasil foi promulgada a Lei 9.615/98, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o “passe?.

Recado ruim

A defesa de Carol Solberg considerou que o julgamento da atleta foi equilibrado, com dois votos com a absolvição total da atleta e dois votos com condenação em apenas um dos dispositivos. E por isso, os advogados disseram que, a princípio, o resultado é satisfatório “sobretudo diante do que pretendia a peça acusatória”. Ou seja, pelo ponto de vista prático, foi bom (considerando a pena a que estava sujeita; Ela poderia ser suspensa de seis jogos e pagar multa de R$ 100 mil), mas o recado passado foi ruim.

Isso porque o tribunal deixou claro que se a atleta voltar a expressar sua opinião política durante as competições ela voltará a ser julgada e terá pena mais dura.

Ao O GLOBO, Otacílio Soares de Araújo, presidente do tribunal e quem desempatou a votação no artigo em que ela foi punida, disse que “manteve a coerência de outros julgamentos de outras modalidades e que espera que ela (Carol) tenha aprendido a lição”.

Em nota divulgada nesta segunda, à defesa da jogadora de vôlei afirmou que “o fato é atípico e que nem o Código Brasileiro de Justiça Desportiva e nem o Regulamento das competições proíbem expressamente a conduta da atleta. Os advogados estão confiantes de que o Pleno do STJD, ao avaliar tecnicamente a questão, certamente não chegará a outra conclusão que não a absolvição da Atleta”.