Chegar à final da Taça Guanabara pode ter sua importância para o Vasco. Mas, daqui a muitos anos, os registros históricos da noite de ontem irão remeter a algo muito mais significativo do que os 3 a 0 sobre o Resende. O Vasco poderia ter perdido o jogo e a vaga que, mesmo assim, sairia vitorioso do Maracanã.
O 13 de fevereiro de 2019 terá que ser lembrado como o dia em que o Vasco se reencontrou com alguns aspectos de sua história: a coragem de romper paradigmas, a identidade de clube sensível a temas da sociedade e do esporte do Rio. Provou que, muito mais do que profanar seu uniforme, exibir a bandeira de um rival na camisa pode ser uma demonstração de grandeza. O gigante da colina foi enorme.
Mas o Vasco fez mais. Logo abaixo das bandeiras rubro-negra e cruzmaltina, o uniforme trazia uma inscrição tão significativa quanto os símbolos: “Em frente, juntos?. São tempos tão intolerantes dentro e fora do futebol, de tanta dificuldade para lidar com diferenças de toda ordem, que a palavra “juntos? berrava.
A tragédia que matou dez meninos no CT do Flamengo é dolorosa demais. Ao menos, episódios desta natureza nos lembram que somos capacidade de gestos que estes tempos difíceis haviam, tolamente, transformado em tabus. Nem deveria soar tão extraordinária a exibição de uma pequena bandeira do Flamengo na camisa do Vasco. Mas, nas circunstâncias atuais, o simbolismo é imenso.
Que o digam as manifestações contrárias ao gesto que pipocaram em redes sociais, ou té o princípio de crise política gerado pela homenagem. Houve quem não percebesse o óbvio: o clube que aceitou negros, que fez da construção de um estádio um símbolo de resistência, reafirmava ali a sua vocação para redefinir padrões.
Vitória com facilidade
As camisas serão leiloadas e, o valor arrecadado, doado para as famílias das vítimas das enchentes da última semana, no Rio, lembradas nas costas do uniforme.
Enquanto isso, os jogadores do Resende entraram em campo com camisetas em que exibiam fotos dos dez meninos mortos no Ninho do Urubu.
Em campo, a vitória do Vasco foi quase protocolar. Alberto Valentim tenta fazer o time ter mais toque, mas o rendimento ainda é melhor com espaço para acelerar. O time dominou, teve alguma dificuldade para criar, mas achou o primeiro gol, de Lucas Mineiro, após um córner logo aos 15 minutos.
A partir daí, o Vasco teve campo para contra-atacar, e surgiu uma boa notícia para a temporada: a boa partida do lateral paraguaio Cáceres. Foi dele o cruzamento para Yago Pikachu cabecear antes de o zagueiro Lucão fazer gol contra. No segundo tempo, uma falha do goleiro Ranule resultou no terceiro, de Marrony.
Os gols foram motivo de alegria para os torcedores, claro. Mas ontem, o vascaíno deveria olhar a camisa do clube e enxergar, no peito de cada jogador, não apenas um, mas dois símbolos de orgulho: a cruz de malta e a bandeira de um rival.
Fonte: O Globo