O que se discute quando um grande clube contrata um grande jogador? Na maioria das vezes, se ele vai render em campo. Em alguns casos, se a identificação com o clube pode ajudar. Em outros, se o investimento financeiro vale a pena. Todos esses pontos valem o debate na chegada de Robinho ao Santos: por suas últimas temporadas na Turquia, seu desempenho é uma incógnita, e não há dúvidas de que ele tem história na Vila Belmiro. O acordo financeiro também rende discussão (ele pode receber até R$ 600 mil em cinco meses, mas só se cumprir número mínimo de jogos). Mas nenhum desses fatores pode ser maior do que o que agita as redes sociais desde que o anúncio foi oficializado: em boa ou má forma, ídolo ou não, barato ou caro, o fato é que o Santos decidiu contratar um jogador condenado na Itália a nove anos de prisão por “violência sexual em grupo”, segundo o processo.
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“Muitos me perguntaram se o Santos debateu a questão da condenação de Robinho na Itália, por estupro. Sim. O clube debateu a questão para contratar. E contratou”, escreveu a jornalista Gabriela Brino, especialista nos bastidores do clube do litoral paulista. As primeiras reações, apesar de alguns torcedores felizes com o retorno do ídolo, talvez mostrem que a diretoria santista devesse debater um pouco mais. A impressão é de incoerência com o posicionamento social do clube, que mais de uma vez se pronunciou e engajou em campanhas contra a violência contra a mulher. Ao contratar um jogador sentenciado por estupro, a diretoria parece ser, no mínimo, pouco cuidadosa com o assunto.
Robinho deve chegar e falar. Por certo, tropeçará em perguntas sobre o caso na Itália, e negará, como faz desde a acusação. Mas até o argumento de que ele tem direito à defesa está enfraquecido no atual momento, já que, no julgamento, ele teve, ainda que caibam outras instâncias no processo. E não convenceu a Justiça italiana. Se escolhemos o Direito e as cortes para mediar nossa convivência, o esperado é que não se ofereça o glamour de ser um ídolo de uma das grandes torcidas do Brasil a alguém que, após passar por um julgamento, foi condenado por um crime violento. Claro, há julgamentos errados em todos os lugares do mundo, mas a discussão, ao menos neste texto, não é se Robinho deveria ser ou estar preso ou não. É se ele merece, neste momento, ? enquanto uma situação criminal julgada não está 100% resolvida ? um lugar de ainda mais privilégio. E existe privilégio maior do que vestir a 10 do Santos, a camisa de Pelé, que faz 80 anos este mês?
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Torcida e imprensa devem entender que essa notícia tem um ponto que não pode ser esquecido, e provavelmente não será apenas pelo crescente número de mulheres tanto nas arquibancadas, como nas redações esportivas, uma boa notícia dos últimos anos. O jogador Robinho, nos anos de auge, nos fez lembrar, homens e mulheres, dos porquês de o futebol ser uma paixão. Sua irreverência, pedaladas e alegria ajudaram a construir a imagem do futebol brasileiro. Mas não se pode separar o campo de futebol do mundo em que vivemos. Legalmente, já que o jogador ainda tem recursos em outras instâncias e recorre em liberdade com a autorização da Justiça Italiana, Robinho pode trabalhar no Santos, jogar, fazer gols, aumentar sua idolatria. Moralmente, a questão precisa ser debatida, lembrada. Não é um assunto, ao contrário de muitos zagueiros, que o atacante vai conseguir driblar e se livrar com facilidade.
Fonte: O Globo