Carol Solberg, que aproveitou a conquista da medalha de bronze na etapa de Saquarema do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, para, ao vivo, na TV, falar “Fora, Bolsonaro!”, contou ao GLOBO, nesta segunda-feira, que não se arrepende da manifestação espontânea que pode lhe render punição da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV). A atleta contou ainda que amigos tem lhe alertado para as ameaças que está sofrendo via redes sociais pelos apoiadores do presidente e que teme é “pela democracia.”
? Não me arrependo, zero, nem um pouco. Foi totalmente espontâneo, um grito mesmo, uma coisa que está entalada há muito tempo, por conta das coisas que estão acontecendo no nosso país. Está no peito, na garganta… e sinto que nós atletas temos a obrigação de usar a nossa voz. E o momento em que estou em quadra é o momento que tenho voz ? falou a atleta. ? Como cidadã me sinto na obrigação de me manifestar e exercer a minha cidadania mesmo.
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O caso ganhou as redes sociais: a atleta recebe mensagens de apoio e também críticas. Carol é irmã dos também jogadores Pedro Solberg e Maria Clara Salgado, todos filhos da ex-jogadora de vôlei Isabel Salgado, que tem se posicionado contra o governo Jair Bolsonaro (sem partido).
A Confederação Brasileira de Vôlei, que é patrocinada desde 1991 pelo Banco do Brasil, chegou a divulgar nota condenando a atitude de Carol, afirmando que “tomará providencias para que episódios como este não se repitam”. A entidade, contudo, não diz que medidas serão estas e nem se incluirão qualquer tipo de advertência a atleta.
Carol usava um top com a marca do Banco do Brasil porque, no Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, como é usual na modalidade, a parte de cima do uniforme é fornecido pelo organizador (no caso, a CBV). A atleta não é patrocinada pelo Banco do Brasil.
? Amo o que eu faço, amo jogar vôlei, mas ser punida por me manifestar?? Me sinto totalmente no meu direito de fazer isso. Teve outra história no vôlei, do Wallace, que não sofreu punição ? declarou a jogadora, referindo-se ao apoio do atleta ao candidato a presidente, em outra ocasião. ? Sei que isso pode acontecer mas acho errado. Estou esperando as coisas acontecerem para falar sobre punição. Porque não tenho ideia do que vai acontecer.
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Wallace fez gesto em alusão ao número 17 do então candidato à presidência, em setembro de 2018, quando defendia a seleção brasileira de vôlei, no Mundial, na França. A CBV também repudiou o ato, mas não o puniu.
A jogadora contou que tem recebido muitas mensagens de incentivo e que não entende por que os atletas, em geral, não tem se manifestado sobre qualquer tema, do racismo ao assédio. Ela questiona essa cultura do medo e da punição.
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? Claro que tem os ‘haters’, esses bolsonaristas, mas nem estou vendo. Não tenho Twitter, então… No Instagram recebo muita coisa e optei por nem ver. A verdade é que as pessoas que importam, que são bacanas, que eu dou valor, estão comigo e me deram a maior força ? pondera a jogadora, que acha que esse é o momento de se discutir o tema. ? Um monte de gente com medo… é o fim da picada. Sei que os atletas precisam de patrocínio para viver e eu também. Mas não podemos ter medo. Essa regra que o COI também tem é absurda e deveria ter caído há tempos. Cada voz faz diferença e acredito que a gente tem de usá-la. O Pantanal queimando, 140 mil mortes por Covid, o desgoverno do jeito que está e eu que vou ser punida?
Carol, que se refere ao Comitê Olímpico Internacional (COI) que proibe manifestações políticas e religiosas durante suas competições (Vila dos Atletas, quadras, campos, ginásios, pódios e durante as cerimônias de pódio, Abertura, Encerramento) também comentou sobre as ameaças que tem sofrido:
? Estou sofrendo sim. Mas são tantas mensagens legais… e amigos meus preocupados comigo por causa das ameaças. Como pode isso? É real! As pessoas estão com medo por mim. Tem gente querendo saber onde moro… e isso é tão absurdo ? desafaba Carol, que continua: ? Mas dá medo sim em relação ao que o país está virando. O Bolsonaro incentiva discursos de ódio. Mas, para mim, o pior desse governo é o descaso com o meio ambiente, com a cultura e como estamos lidando com a pandemia do coronavírus. Isso sem falar de corrupção. O maior medo que tenho é em relação à democracia. Eu tenho medo (disso).
Apoio e crítica
O Movimento Esporte pela Democracia saiu em defesa de Carol. Nas redes sociais escreveu: “Em seu legítimo direito de se expressar politicamente, a atleta Carol Solberg, do vôlei de praia, terminou entrevista ao Sportv com um “Fora Bolsonaro!”. A CBV repudiou a manifestação e ameaçou com “medidas cabíveis”. E ainda usou, em sua nota, um inaceitável “denegrir”, termo racista que deve ser fortemente repudiado. Nós, do movimento Esporte pela Democracia, treplicamos aqui de maneira singela: a única medida cabível à CBV é seu silêncio em respeito à liberdade de expressão”.
Ana Moser, uma das lideranças do Esporte pela Democracia disse que entende os dois lados deste episódio, o da entidade, que tem patrocínio do Banco do Brasil, e o da atleta, que se manifestou de forma espontânea. E acredita que este pode ser um bom momento para se debater o assunto já que até o COI limita as manifestações políticas e religiosas:
? Muitas destas manifestações são espontâneas e também existem as manifestações organizadas como a do racismo, que a NBA fez tão bem. E acho que o esporte tem de lidar com isso. Sei que existem regras, tem a relação com o patrocinador, mas acho que este é o momento para avançar nessa discussão. Entendo os dois lados. Não acho que deveria ter punição a atleta e imagino que este é o momento de discutir isso, essa questão do atleta poder se posicionar.
Já a Comissão de Atletas de Vôlei de Praia se posicionou contra a Carol e em nota disse “que não é favorável a nenhum tipo de manifestação de cunho político em competições esportivas. Por isso, a mesma lamenta o ato realizado pela atleta Carol Solberg neste domingo (20.09), em jogo válido pela primeira etapa do Circuito Brasileiro Open de Vôlei de Praia Temporada 2020/2021, e lutaremos ao máximo para que este tipo de situação não aconteça novamente.”
Fonte: O Globo