Mais do que o som do protesto desta terça-feira em frente à sede do Atlético-MG, em Belo Horizonte, o que ecoou nos ouvidos da diretoria foi a reação amplamente negativa nas redes sociais à tentativa de contratação de Thiago Neves, ex-jogador do arquirrival Cruzeiro, por parte do alvinegro. Por um triz, o meia não se tornou atleticano, em um episódio que deixou exposta a relevância da torcida na internet, em um momento de arquibancadas vazias por causa da pandemia.
Embora tenha feito muito barulho, o caso Thiago Neves não é fato isolado e expõe a força das redes sociais nas decisões dos clubes. A repercussão negativa diante de ações de dirigentes também foi vista no Goiás, que desistiu do técnico Alberto Valentim e fechou com Thiago Larghi.
Se agem para cancelar ? termo em alta no dicionário da internet ?, há ações também no sentido oposto: o Grêmio viu o clamor por Edinson Cavani crescer nas redes sociais e usa a voz do torcedor como trunfo para realizar o sonho de contratar o craque uruguaio. No Botafogo, a contratação de Honda se concretizou após uma enxurrada de mensagens de torcedores alvinegros. O próprio japonês admitiu a força disso na apresentação.
A paixão é ingrediente nessa relação. O desafio é lidar com ela e a linha tênue entre respeitar o planejamento dos dirigentes – profissionais ou não – e estabelecer passos só ouvindo a torcida.
? Se eu estou na minha empresa e vou contratar, a discussão é interna. A empresa é minha. Mas no clube, que não é propriedade minha e tem o torcedor como maior freguês, não posso ignorar a fala dele. Não é dar peso maior. Mas isso não pode ser ignorado ? disse Marcelo Almeida, presidente do Goiás.
Em tempos de pandemia, com arquibancada fechada, a comunicação se concentra no universo digital: o mesmo local visto como fonte de novas receitas para os clubes é também onde a reação fica mais exposta.
? É a ferramenta básica para que as marcas e os clubes sintam o termômetro do momento, das decisões tomadas. Seria ingenuidade achar que não haveria reação contrária. O profissional teria que antecipar esse tipo de situação ? comentou Fernando Trevisan, diretor da Trevisan Escola de Negócios e especialista em gestão esportiva.
Para Ary Rocco, professor da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP) e um dos instrutores do curso de gestão esportiva da CBF, esse tipo de decisão precisa ser analisado sob várias óticas:
? Quando se faz uma contratação dessa, deveriam ser ouvidos o treinador, o financeiro e o pessoal da comunicação e do marketing. Thiago Neves gerencia mal sua imagem. Não é de hoje. Vejo no planejamento da contratação vários sinais de que a coisa poderia dar errado. A partir do momento que estourou, a gente sente que há um despreparo em lidar com o fenômeno. A opinião pública está lá, para o bem e para o mal. Aconteceu no Atlético, poderia ter acontecido em outros.
Pedido de desculpas
No caso do Atlético-MG, a pressão foi tanta que o diretor de futebol, Alexandre Mattos, veio a público se desculpar. Afinal, Thiago Neves não só tem um histórico de títulos pelo Cruzeiro, mas já provocou o lado atleticano. O meia seria contratado após indicação do técnico Jorge Sampaoli. O vazamento da informação da tratativa desencadeou a reação contrária.
? Se isso incomodou, eu peço, humildemente, desculpas. Mas o assunto está encerrado. Vamos olhar para frente. Vamos buscar o nosso objetivo ? disse Mattos à Rádio Itatiaia.
Os exemplos do mundo corporativo vêm à tona. Não é incomum que as empresas abram mão de determinada ação diante da receptividade negativa dos usuários. Na indústria audiovisual, a Netflix pediu desculpas pelo cartaz criado para apresentar o filme francês “Lindinhas? (no original, “Mignonnes?; em inglês, “Cuties?). O pôster da produção foi alvo de críticas nas redes sociais por mostrar um grupo de meninas de 11 anos dançando com roupas curtas e em poses sensuais.
Alexandre Mattos inseriu a preocupação com a segurança dos envolvidos. O protesto na sede do clube teve ofensas a Thiago Neves, de 35 anos, que rescindiu recentemente com o Grêmio, e cobranças ao presidente Sérgio Sette Câmara.
? Mediante a tudo, ao nosso dia a a dia, ao nosso futebol, que está muito perigoso, mediante a toda uma repercussão e, principalmente, pensando na segurança de todos, nós simplesmente recuamos, agradecendo o interesse do Thiago em relação ao Atlético, porque entendemos que nós temos objetivos maiores pela frente, e queremos paz e tranquilidade para todos os envolvidos, principalmente nossos jogadores ? justificou o dirigente.
Fonte: O Globo