Virou moda discutir se Domènec Torrent deve ou não alterar, de um jogo para outro, o time titular do Flamengo. Discussão inútil, aliás, porque é esta a filosofia do técnico e porque o ano é particularmente desgastante para todos os clubes brasileiros.

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Após o Fla-Flu, a discussão em torno do Fluminense era sobre a ideia de Odair Hellmann: Nenê partindo do centro do ataque quase como um quarto meio-campista e a busca da velocidade com Pacheco e Wellington Silva pelos lados.

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Onde as duas discussões se encontram? No pano de fundo deste Fla-Flu, que por 60 a 70 minutos foi o mais desequilibrado dos seis disputados no ano, embora tenha terminado com um Fluminense que, dentro das limitações que a fragilidade do clube impõe ao time em campo, ainda competiu dignamente. De um lado, um treinador administra a exigência da temporada gerindo a sua fartura. De outro, um treinador tenta operar em sua escassez.

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Domènec Torrent vai impondo seu modelo de jogo, com ocupação mais racional de espaços ofensivos mas sem ortodoxias: dentro de uma organização, há liberdade de movimentos, em especial perto da área adversária. No Fla-Flu, fez Éverton Ribeiro partir da direita para o centro, deixando o corredor para Isla. Na esquerda, Arrascaeta e Filipe Luís alternavam entre a faixa mais central e a lateral do campo. Diego jogava mais ao centro num time de muitos meias e sem pontas, uma versão inédita desde que o catalão assumiu o comando. E, desta vez, teve Gabigol partindo da função de centroavante. Mas apenas partindo.

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Porque Domènec planejou para o clássico um jogo que não dependia de um homem de área, como Pedro, ocupando os zagueiros. Gabigol movia-se, buscava os lados. O Flamengo não ocupava a área, chegava a ela através de toques e movimentos. Se Domènec quer fazer um jogo assim, tem Gabigol. Se entende que o rival irá congestionar a entrada da área, defender atrás e negar espaço, pode optar por um “nove” mais típico como Pedro. Se quiser pontas, tem; se quiser meias que partem das pontas, tem.

O Flamengo voltou a ter grande fluência com a bola, controlou boa parte do jogo e poderia ter marcado mais gols. Até cair fisicamente, reduzir ritmo, praticamente se dividir em dois no segundo tempo: um grupo atacava, outro defendia. E sentir as modificações de um Fluminense que cresceu.

E falar do Fluminense é falar do contraste. A ideia de explorar a velocidade de Wellington Silva e Pacheco não se materializou no primeiro tempo. Houve erro de estratégia? Aparentemente não, a ideia fazia sentido. Mas a execução não funcionou por boa parte do Fla-Flu, em grande parte porque os pontas seguiam os laterais do Flamengo e, quando o tricolor conseguia o desarme, ambos estavam distantes do campo rival. Havia muitos metros para correr. A referência à frente era Nenê, longe de ser um jogador que dá a opção da profundidade e da velocidade.

Filipe Luís comemora o primeiro gol do Flamengo sobre o Fluminense Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo
Filipe Luís comemora o primeiro gol do Flamengo sobre o Fluminense Foto: Alexandre Cassiano / Agência O Globo

 

Mas aí é fundamental contextualizar. Odair achou em Evanílson o “nove” que prende defensores, joga como pivô, dá opção de passe às costas da zaga rival. Mas o viu embarcar para Portugal na véspera do Fla-Flu. Se quiser um jogador parecido, não tem. Se optar por seu centroavante mais experiente, recorrerá a Fred, neste momento sem físico para 90 minutos.

 

E quando Fred entra, cria-se o dilema da convivência com Nenê. Acomodá-los no centro do ataque faz o time perder pressão e Nenê termina deslocado para o lado.  Odair possivelmente gostaria de ter um lateral-direito mais formado, mas não tem. Talvez quisesse uma opção melhor  diante do mau momento de Egídio, mas não tinha – impossível saber se o recém-chegado Danilo Barcelos será esta opção. Num elenco desequilibrado, há jovens promessas e peças que por vezes perigam elevar demais a média de idade. E más notícias, como Evanílson, nunca têm hora para chegar. 

O Flamengo tem fartura, mas tem um trabalho que o faz evoluir dentro de uma nova ideia de jogo. No Fluminense, a batalha é contra a escassez. Diante do contraste, a resultado do clássico, a quarta vitória rubro-negra em seis encontros neste 2020, é normal.