Mesmo num período em que o futebol não conta com a presença do público, torcedores LGBT+ continuam sofrendo ataques. A diferença está apenas no local onde a discriminação é praticada. Se, por um lado, não pode ser feita nas arquibancadas, por outro segue em voga do lado de fora dos estádios. Principalmente no ambiente virtual. É para que os alvos tenham a quem recorrer que foi lançado o Observatório Nacional da LGBTfobia no Futebol.
A ideia é que ele funcione como um canal de ouvidoria. No site, os torcedores podem deixar seus dados, registrar o episódio e enviar provas (caso as tenham). Estas informações serão compiladas periodicamente e entregues ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva, ao Ministério Público e demais órgãos competentes.
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Além disso, estes dados irão gerar relatórios anuais que serão usados para ampliar a discussão sobre o preconceito no esporte. A iniciativa é do coletivo Canarinhos Arco-Íris, frente de torcidas LGBT+ de diversos clubes do país.
Um exemplo bem sucedido desta prática é o Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Criado em 2014 com propósito semelhante, ele hoje não só produz relatórios anuais sobre casos de ataques contra negros nos campos e arquibancadas como também é parceiro da CBF e dos clubes em campanhas contra o racismo.
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O primeiro caso a ser registrado pelo Observatório Nacional da LGBTfobia vem do próprio lançamento, no último sábado. Realizado numa sala virtual de conferências para preservar o distanciamento social, o evento foi invadido por hackers. Os invasores conseguiram desabilitar o áudio dos organizadores e escrever xingamentos e ataques aos participantes.
Para dar continuidade, os organizadores precisaram tornar o evento privado apenas para eles. A ideia inicial era que o público em geral pudesse participar.
? A gente está passando por uma pandemia e nem assim para de receber mensagens com ameaças de morte. Até nas lives que participamos ? conta Onã Rudá, fundador da LGBTricolor (Bahia), uma das torcidas que fazem parte da Canarinhos:
? Só queremos sistematizar. A gente entende que se não gerar dados e informações não teremos o que pleitear, não vamos ter condições de argumentar com os órgãos responsáveis.
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A Marias de Minas, torcida LGBT+ do Cruzeiro, precisou criar um novo perfil no Twitter após um ataque orquestrado. A rede social bloqueia contas que sofrem denúncias em massa. Yuri Senna, seu fundador, já recebeu ameaças de morte. Ele as encaminhou para o departamento jurídico do clube e solicitou providências em relação aos envolvidos. Até agora, a diretoria celeste acenou apenas com uma reunião para discutir o assunto.
Avanços também têm sido registrados. Um deles é o aumento do número de torcidas LGBT+. Há dois meses, a Canarinhos era composta por 12 participantes. Hoje já são 18 ? de clubes de quatro das cinco regiões do pais (apenas o Centro-Oeste não tem um representante).
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O Bahia e o Internacional, com diretorias de diversidade, são os clubes mais comumente associados a ações afirmativas. Mas os frutos do trabalho das torcidas LGBT+ começam a ser colhidos em outras agremiações. Desde a última terça o Paysandu passou a registrar o nome social dos torcedores nas carteirinhas de sócio. Isso significa que uma pessoa transgênero terá o nome escolhido no documento, e não o de batismo. Os funcionários do clube receberam treinamento para atender a este público.
Em Minas, o núcleo de diversidade e inclusão do Cruzeiro prepara um modelo de curso que irá abordar a história do movimento LGBT+, práticas de combate ao preconceito e até sobre o simbolismo da camisa 24. O objetivo é que ele não se limite aos seus próprios funcionários, mas também em outros clubes do estado e na Federação Mineira.
Fonte: O Globo