Atrasada por causa da pandemia do novo coronavírus, a NBA terá um campeão definido pela primeira vez em meados de outubro, a poucas semanas da eleição do novo presidente dos Estados Unidos, marcada para 3 de novembro. Durante as próximas semanas, uma mensagem vai ecoar repetidas vezes a partir do complexo da Disney, em Orlando, onde são disputados os playoffs, colocando o esporte mais uma vez no centro do debate da sociedade americana: “vote?.
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Depois de um boicote histórico contra o racismo e a violência policial que paralisou a liga por três dias, com reflexos em outras modalidades, na semana passada, os atletas da NBA aumentaram o coro para que os americanos compareçam às urnas. O pleito tem sido marcado por abstenção crescente, principalmente entre jovens, o que tem sido decisivo na corrida à Casa Branca. Em 2016, cerca de 61% dos americanos com idade para votar foram às urnas para eleger Donald Trump, mas esse número cai para 46% entre 18 e 29 anos. Entre os negros, foi registrada a primeira queda em 20 anos.
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?Um, não querem votar pois as pessoas não acreditam na contagem dos votos. Dois, elas não sabem aonde ir e votar. Três, elas são basicamente tão suprimidas que pensam algo como ?eu não vou de qualquer maneira, pois não faz diferença. Ninguém se preocupa conosco, ninguém se preocupa com as nossas opiniões? ? disse LeBron James, recentemente.
“Vote? é uma das 29 opções usadas na parte de trás do uniforme, em diferentes idiomas, desde o retorno da NBA, em julho. A liberdade para o posicionamento político, aliás, foi uma das condições para o retorno, depois que muitos atletas se engajaram na luta que eclodiu com o assassinato de George Floyd, em maio, em Minneapolis. O movimento voltou a ganhar força após Jacob Blake, homem negro de 29 anos, levar sete tiros da polícia em Wisconsin, há 10 dias. O caso levou o Milwaukee Bucks, franquia do estado, a puxar o boicote.
Votação nas arenas
Não é só nos discursos que os atletas estão dispostos a participar do debate eleitoral. O retorno dos playoffs ? que seguem hoje com Miami Heat x Bucks, às 19h30, e Oklahoma City Thunder x Houston Rockets, às 22h ?foi decidido pelos jogadores sob algumas condições. Entre elas, as franquias se comprometeram a ceder suas arenas e transformá-las em locais de votação seguros devido a pandemia. Nas primárias, por causa da Covid-19, muitas zonas eleitorais foram fechadas, sobretudo em locais predominantemente de população negra. As enormes filas e os riscos de contaminação pelo vírus afastaram ainda mais os eleitores. A ausência dos jovens ? público da liga ? também preocupa.
?O eleitorado mais jovem não costuma comparecer às urnas, o que é uma preocupação aos democratas. Essas manifestações, como da NBA, podem ter impacto nesse sentido, de aumentar o engajamento ? afirma o professor de relações internacionais da FAAP, Carlos Gustavo Poggio. ? Em 2018, nas eleições de meio de mandato, já houve um movimento nesse sentido, de celebridades pedindo comparecimento. Mas é difícil prever o impacto.
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As manifestações, obviamente, incomodaram o presidente Donald Trump, que tenta a reeleição contra o democrata Joe Biden, líder nas pesquisas. Trump tratou o boicote com desdém. Na semana passada, disse à imprensa que não sabia dos protestos, e emendou:
? A NBA se tornou uma organização política, e isso não é bom. Não acredito que seja bom para o esporte nem para o país ? disse.
Furando a bolha
A luta contra a supressão do voto negro nos EUA tem pautado o astro LeBron que, neste contexto, surge como um importante agente político nas eleições deste ano. Ele criou a campanha, ao lado de outros jogadores, More Than a Vote (Mais que um voto) e tem financiado fundações como a NAACP Legal Defense Fund, que luta pelos direitos civis e contra a injustiça racial desde os anos 1940. A organização vai recrutar jovens para trabalhar nas pesquisas das eleições presidenciais.
? O LeBron sozinho não levaria tanta gente às urnas. Mas a sua liderança, o basquete como representante da cultura negra e o ativismo negro no centro do debate, com o Black Lives Matter, convergem para que o projeto tenha impacto ? analisa o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC, Flavio Francisco ? a baixa votação nos EUA é um problema do sistema político norte-americano. O que tem na agenda do LeBron é viabilizar, informar as barreiras e quebrá-las para que se tenha acesso às urnas.
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Há quatro anos, LeBron apoiou publicamente a candidata democrata Hillary Clinton. Mas o alcance do astro dos Lakers, com mais de 125 milhões de seguidores nas principais redes sociais, vai além da bolha. Um estudo do Centro Interdisciplinar Herzliya, em Israel, aponta que entre os seguidores do jogador há liberais e conservadores na mesma proporção.
? As visões políticas tendem a nos colocar em bolhas. O LeBron conseguiu furar essa bolha. Assim, pautas menos conservadoras, como a questão do racismo, são ouvidas pelo seu público. Isso é sem precedentes nos EUA e no Brasil. Ele conseguiu um espaço que pode falar sem qualquer risco de perder mercado. Diria que ele é ?incancelável?? diz o analista de relações internacionais, Tanguy Baghdadi, da Universidade Veiga de Almeida.
LeBron e os astros mostram que estão jogando numa bolha ? mas que não estão dispostos a viver em uma.
Fonte: O Globo