RIO MAIOR, PORTUGAL – O sol ainda estava baixo e Saindur já erguia a enxada para limpar o terreno de uma plantação de Rio Maior. O esporte constrói nossa primeira ponte e ele dá a entender que conhece algo da história brasileira nos campos, piscinas, pistas e quadras. A segunda é o tradutor instalado em seu telefone, porque o trabalhador indiano não domina o português. Questionado se sabe que 83 atletas do Time Brasil treinam ali perto, no gigante, moderno e isolado Centro Desportivo de Rio Maior, a 85km de Lisboa. Move a cabeça para fazer “não?.
Ruas centrais de Rio Maior, 8h15. Apesar do uniforme da delegação, alguns atletas caminham incógnitos pela cidade de 10 mil habitantes. Seguem em direção ao complexo, erguido na fronteira entre as áreas urbanizada e rural. Próximo às quadras de tênis, animais contidos pela cerca de uma propriedade vizinha compõem a paisagem, comum no interior de Portugal. O único veículo na cena àquela hora é um pequeno trator vindo das Salinas Naturais, em funcionamento desde 1.177 e maior atração turística da região.
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Estas são partes dos componentes que juntos formam o ambiente tranquilo e concentrado ao redor da Missão Europa do Comitê Olímpico do Brasil (COB) em Portugal. Na pacata cidade com apenas seis casos ativos de coronavírus e pouco mais de 30 no registro acumulado, onde o distanciamento social já é algo visto como natural devido à baixa densidade demográfica, os atletas contornam a pandemia e o cerco sanitário imposto ao Brasil e voltam aos treinos e às competições em Portugal, Itália e Alemanha.
Mais de 300 atletas em revezamento de estadia irão integrar a Missão Europa, iniciada em julho, com prazo de validade até dezembro e custo estimado em R$ 15 milhões. Mas o diretor de esportes do COB, Jorge José Bichara, adiantou que avalia não só prolongar a permanência até os Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados deste ano para 2021, como fazer de Rio Maior uma base europeia.
? Ainda é prematuro, mas pode avançar e a pandemia (no Brasil) poderia ser uma motivação. Estamos avaliando, sim, fazer de Portugal um hub do Brasil na Europa, da mesma maneira que a Austrália estabeleceu uma base na Itália. Rio Maior nos acolhe bem, tem estrutura que proporciona privacidade, descanso, alimentação, segurança sanitária, preparação e treinos em alto nível, o que precisamos neste momento. Além de ser uma cidade muito calma. A Ana Marcela, da maratona aquática, até nadou num lago aqui perto ? diz Bichara.
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Em acordo com o Comitê Olímpico Português, Governo de Portugal e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que emite apenas vistos considerados essenciais em tempos de fronteiras fechadas para turismo, integrantes da delegação podem trabalhar, treinar e competir no país e na Europa. São exigidos dois testes negativos de Covid-19, um antes de embarcar e outro na chegada ao país. E o viajante só deixa o quarto ao receber este segundo negativo, o que leva algumas horas, enquanto outros países da Europa podem exigir quarentena de 14 dias.
? No auge da pandemia, todos pararam. Quando uns países começaram a abrir antes dos outros, isto causou efeitos não só físicos, mas psicológicos, porque o atleta sente que está atrasado em relação ao adversário ? disse Bichara.
Moema Ramos faz parte da equipe de gestão esportiva do COB e explica o critério de seleção dos atletas. Ela é uma das responsáveis pela coordenação da Missão Europa, que ainda tem bases em Cascais (vela), Coimbra (judô), Vila Nova de Gaia (tênis de mesa) e Anadia (ginástica).
? As confederações apresentaram um plano e trouxemos atletas com chances de classificar ou já classificados para Tóquio. Outro critério foi que algumas modalidades já têm competições pela Europa ? disse Moema.
No meio da manhã, o sol já havia aparecido e fazia calor nas quadras de tênis, onde treinavam Bia Haddad, Carol Meligeni e João Menezes, este classificado para Tóquio e de raquetes embaladas para uma competição na Itália. Já o tênis feminino disputará um torneio em Montemor-O-Novo, em Portugal.
? No Brasil, até conseguíamos treinar em Itajaí (SC), mas agora, aqui em Portugal, podemos viajar para competir, o que faz diferença ? disse Menezes.
Além dele, Ana Marcela irá a Capri para uma competição de maratona aquática e a equipe de vela seguirá para a Alemanha, assim como a de triatlo, modalidade que depois seguirá para a República Tcheca.
? Fiquei um mês sem nadar no Brasil quando o Pinheiros (SP)fechou. Não podia andar de bicicleta e, quando treinava, e treinava forte, 10km, tinha que ser de máscara. Cheguei em Portugal, tiramos as máscaras e o resultado do treino foi lá para cima, além de podermos andar na rua sem medo ? disse a triatleta Djenyfer Arnould.
Após observar os preparativos de uma palestra do ex-atleta Fabiano Pessanha, na qual uma integrante da delegação na plateia falou sobre as suas dificuldades de desistir de um casamento pela carreira no atletismo, o diretor de marketing do Centro Desportivo de Rio Maior, Hugo Dinis, nascido na cidade, falava da importância da Missão Europa em ano de contratos cancelados devido à pandemia.
? Isto estava sendo preparado para os Jogos de 2024, em Paris. Tivemos que antecipar um pouco a vinda do COB em larga escala, dentro de todas as regras da Direção Geral de Saúde (DGS). É uma operação financeira importante para nós, porque ficamos fechados de março a maio e tínhamos contratos marcados ? disse Dinis.
Apesar de trabalhar com marketing, ele dá prioridade à privacidade dos atletas e não pensa em estratégias mirabolantes de promoção. Até acha interessante eles passarem incógnitos:
? Não fazemos nada espalhafatoso sobre quem eles são. Não que aparecesse alguém aqui para importunar. É uma cidade pacata.
Lotado de trabalho, o indiano Saindur dificilmente teria tempo para aparecer em algum treino aberto. Depois da conversa e de encher mais um carrinho de mão, ele pega a enxada e volta ao campo. Pouco depois do meio-dia, integrantes da delegação da natação, que treinara pela manhã, saem de carro para mais uma tarde tranquila de almoço em Rio Maior, enquanto turistas em direção às Salinas passam direto pelo complexo.
Fonte: O Globo