O protesto dos jogadores da NBA contra o racismo ? motivado pelo atentado contra o cidadão negro Jacob Blake movido por policiais brancos do Estado de Wiscosin ? parou aquela que é uma das ligas mais bem-sucedidas comercialmente no mundo. Com esse gesto, conseguiram fazer com que sua mensagem repercutisse. Por aqui, ela jogou luz nos atletas brasileiros. Nas redes sociais, especula-se se eles teriam condições de fazer o mesmo. Todos os ouvidos pelo GLOBO foram unânimes em responder que não. Mas as razões vão muito além do esporte.

? É cruel simplesmente apontar o dedo e dizer que os atletas brasileiros não se manifestam ? opina Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol. ? Porque a realidade aqui é a do (ginasta) Ângelo Assumpção, denunciando o racismo que sofreu e depois sendo demitido de seu clube (Pinheiros).

NBA:Como a liga tratou o racismo ao longo das décadas

Em entrevista recente ao ge, o ginasta se definiu silenciado ao não encontrar quem quisesse ouvi-lo. Para o diretor do Observatório, é este silenciamento que a sociedade brasileira pratica com os atletas negros que tentam falar sobre o tema.

? Há alguns pontos importantes nessa questão. O primeiro é o apagamento daqueles que se manifestaram ao longo da história. E foram diversos ? diz Carvalho, que cita Gentil Cardoso (ex-técnico de futebol), Aída dos Santos (atletismo – salto em altura), Soraia André (judô) e Melania Luz (atletismo – corrida).

? O segundo é a represália. Temos o exemplo do Reinaldo, que não jogou mais na Copa de 1978 depois que fez o seu protesto (do punho cerrado), do (goleiro) Aranha, que apesar de ainda ter idade (quando sofreu racismo na Copa do Brasil de 2014), perdeu espaço no futebol…

Na Copa de 1978, Reinaldo comemora seu único gol com o gesto de protesto Foto: Sebastião Marinho/Arquivo O Globo
Na Copa de 1978, Reinaldo comemora seu único gol com o gesto de protesto Foto: Sebastião Marinho/Arquivo O Globo

KING JAMES:LeBron se consolida como liderança do ativismo na NBA

Aranha rescindiu contrato com o Santos poucos meses depois do episódio ocorrido na Arena do Grêmio. Transferiu-se para o Palmeiras, onde não teve oportunidades. Em seguida, o mesmo ocorreu no Joinville. Só voltou a ter sequência quando regressou à Ponte Preta, clube que o revelou.

DEPOIS DA NBA:Quando as principais ligas esportivas dos EUA resolveram parar em protesto contra o racismo

Quando denunciou os ataques, o goleiro viu parte da opinião pública minimizar a gravidade do episódio. Para ele, ficou claro que não há consenso na sociedade brasileira no que diz respeito a reconhecer o racismo e repudiá-lo. E a vítima acaba não encontrando o apoio necessário que lhe dê confiança para falar.

? No Brasil o racismo se manifesta pelos costumes ? define. ? É muito difícil tratar de racismo sem magoar o homem branco. Então isso coloca o negro numa situação difícil. Porque vai chatear o marido, ou a esposa, ou o patrão… Se houver um movimento como esse por aqui, acredito que não vai ser liderado por esportistas negros.

Hoje aposentado, Aranha é engajado na militância negra. Participa de grupos e estuda questões ligadas ao tema. Acredita que se a maioria dos atletas tivesse acesso a esse conhecimento sobre a história do povo negro o engajamento seria outro.

? Como cobrar que o atleta se posicione diante de uma história que ele não conhece, que não foi ensinada para ele no colégio? Porque a versão que aprendi no colégio é no mínimo fantasiosa ? critica Aranha. ? A história da luta do negro para acabar com a escravidão foi abafada. Hoje, com a internet e esses movimentos, a gente tem desenterrado vários assuntos que servem como exemplo para a população negra.

Bill Russell, ao lado de Michael Jordan: A primeira estrela negra de uma liga que nasceu só com brancos Foto: Jeff Haynes/AFP
Bill Russell, ao lado de Michael Jordan: A primeira estrela negra de uma liga que nasceu só com brancos Foto: Jeff Haynes/AFP

 

Ao contrário do que ocorre com os atletas brasileiros, os jogadores de basquete americanos têm como origem as universidades. Mas não se pode resumir a questão ao conhecimento adquirido neste ambiente. A NBA lida com o racismo desde sua criação, em 1946.

A Associação de Basquete da América (antigo nome da NBA) nasceu com 11 equipes e nenhum atleta preto registrado. Na época, negros não eram liberados a frequentar espaços públicos, o que dificultava o acesso ao esporte.

ANÁLISE:Protesto na NBA mostra que atos antirracismo não serão passageiros

Apenas em 1950, a NBA adotou um sistema que permitia (ou limitava) a entrada de três atletas negros por equipe. O primeiro a pisar em quadra foi Earl Francis Lloyd, defendendo o Washington Capitols, que encerrou as atividades no ano seguinte diante das retaliações.

A primeira grande estrela negra foi Bill Russel, que se notabilizou no Boston Celtics e conquistou 11 títulos em 13 anos ? até hoje é o maior campeão. Ele foi a porta de entrada para a democratização cultural no basquete norte-americano. Na época, chegou a ser ameaçado de morte. Hoje, LeBron James é, certamente, a voz mais potente.

? Aqui no Brasil os atletas são mais engajados para tentar melhorar as condições da própria categoria ? opina o ex-jogador e hoje comentarista do Sportv Grafite. ? É difícil o atleta se posicionar. Até porque, se ele veste a camisa de uma causa, quando os resultados não aparecerem em campo vai ser cobrado por isso. Cobrado por outros atletas, por dirigentes, pelo seu treinador. É difícil.

Apesar de todas as ponderações em relação ao Brasil, o olhar para o futuro é de esperança. Assim como ocorre com a sociedade de uma maneira geral, a geração mais nova de atletas se mostra mais interessada nas questões identitárias.

? Estes jovens estão na internet, trocando conhecimento com outros. E estão se posicionando. É o caso do Lucas Santos (Vasco), do Paulinho (Bayer Leverkusen), do Gregory (Bahia), do Jean Pyerre (Grêmio) ? cita Marcelo Carvalho.