Prever os impactos na NBA após o boicote liderado pelos jogadores como protesto antirracista é um processo complexo. A única certeza que o movimento traz é o peso que terá na história do ativismo no esporte americano. A decisão dos atletas é algo sem precedentes no basquete do país. A liga não parou nem mesmo após a morte de Martin Luther King, em 1968. E, no meio de tantas vozes se espraiando em outros esportes, uma delas ganha o status de líder: LeBron James.
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Não foi dele a decisão inicial de boicotar a rodada na última quarta-feira após Jacob Blake levar sete tiros de policiais, em Wisconsin, no domingo, mas logo em seguida ele acompanhou o boicote ? a desta quinta-feira também foi cancelada. Seus posicionamentos dos últimos anos e, a cada novo caso de violência policial contra negros que explode em protestos pelo país, endossam a atitude dos companheiros.
Herdeiro da linhagem de Michael Jordan, o craque do Los Angeles Lakers usa todo o seu poder midiático a favor do ativismo. O seu alcance nas mídias sociais chega a quase 100 milhões de pessoas (35,4 milhões de seguidores no Instagram, 40 milhões no Twitter e 22,6 milhões no Facebook) . A cada tuíte ou hashtag sobre o movimento negro que o astro publica, o recado está dado. LeBron não é somente um jogador de basquete.
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Nem ele nem seus companheiros de quadra. A união dos atletas da NBA é uma velha conhecida e tem nomes famosos: Bill Russell, Wilt Chamberlain e Kareem Abdul-Jabbar. Mais recentemente, a associação conseguiu adiar o início de temporadas até que as questões salariais fossem ouvidas, nos anos 90 e 2000.
? Já tivemos momentos simbólicos icônicos antes (1968, obviamente) mas a parada do trabalho é muito especial, porque envolve um potencial real sacrifício por parte dos envolvidos. Esta é uma mensagem única e poderosa de indignação e apoio. Freqüentemente, as estrelas do esporte oferecem mensagens simbólicas – eles se ajoelham, carregam mensagens, fazem declarações e assim por diante. Mas este é um desvio radical. Na verdade, não praticar o esporte atinge a todos: fãs, emissoras, jornalistas e os próprios jogadores. É impossível ignorar, exige mudança. Por fim, desportistas negros ricos estão dizendo: ‘Mesmo minha riqueza e fama não me protegem do racismo.’ É muito impressionante ? diz John Williams, professor de sociologia da Universidade de Leicester, que estuda esporte e os movimentos sociais.
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Não é à toa o poder dos atletas negros na NBA e a reverberação dos seus gritos. A NBA é praticamente toda negra. Um estudo do Instituto para a Diversidade e Ética no Esporte, de 2017, mostrou que quase 75% dos jogadores da liga eram negros. Mais de 80% eram não brancos.
Os seus atos também estão protegidos financeiramente. As conquistas da associação garantem que os atletas recebam cada centavo do acordo negociado. LeBron, por exemplo, recebe quase US$ 40 milhões de dólares anuais (mais de R$ 200 milhões). Vestir a camisa “I can’t breathe” (‘Não consigo respirar’, em referência à morte de George Floyd asfixiado por um policial), subir a #blacklivesmatter ou se unir com os companheiros pelo boicote aos playoffs não vão mexer nos seus ganhos. A organização da NBA, até o momento, também tem vindo a público em apoio aos seus atletas.
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Já na NFL, a liga mais valiosa do mundo acima da NBA, os contratos não são garantidos. Isso explica por que Colin Kaepernick, que disseminou o ato de se ajoelhar durante o hino nacional, em 2016, também em protesto à violência policial contra os negros, não estava protegido na época do seu contrato com o San Francisco 49ers.
? Eles abriram mão de um campeonato naquele momento para defender um causa na qual eles acreditam. Esse, sem dúvida, é um dos maiores atos da história do esporte. Mas é importante ter em mente que foi um ato dos jogadores, não partiu da NBA. Antes de a bolha começar, alguns jogadores, como o Kyrie Irving, disseram que não era o momento de retornar, pois iria abafar os protestos. A bolha existiu, mas o mundo real continuou existindo. Isso vai mexer no bolso, e se mexe no bolso traz problemas. É importante dar visibilidade aos casos, mas o importante é a NBA ter voz ativa como liga e chegar a quem interessa, que são as autoridades policiais e políticas ? analisa Ana Caroline Carmo, do podcast NBA das Mina, que vê LeBron como um líder, mas há outros nomes também à frente do movimento, como Giannis Antetokounmpo, do Milwaukee.
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Sem ter sua marca afetada por suas atitudes fora das quadras, inclusive em palavras contra o presidente Donald Trump, LeBron usa a fortuna para criar um império de negócios. Quase todos que estabeleçam uma relação com comunidade negra. Seja por ter sua própria produtora de televisão e ou a plataforma multimídia para atletas que conta com investimento de US$ 15,8 milhões da Warner Bros. e Turner Sports.
? LeBron é obviamente uma figura muito significativa no esporte americano e mundial, mas Serena (Williams) também é muito poderosa. Ativistas femininas serão significativas para o movimento. Mas o basquete é talvez o esporte mais importante neste caso porque é “de rua”: é jogado em locais dos bairros negros mais pobres em todos os EUA e em outros lugares. Alguns de seus jogadores são figuras verdadeiramente heróicas para os jovens que protestam nas ruas. Mas unir diferentes esportes – e também obter o apoio de icônicos atletas brancos – acrescentaria alguma força real ao que está acontecendo. Quem sabe – talvez jogadores de futebol da Europa se envolvam. Afinal, a mensagem é que esse é um problema global, ainda que seu epicentro no momento seja nos EUA.
Em suas entrevistas, LeBron frequentemente traz à tona o que o leva a lutar e não é apenas por empatia.
? A coisa mais difícil do mundo para mim pessoalmente é criar dois meninos afro-americanos e uma filha afro-americana na sociedade de hoje. É difícil. Eu faço isso porque isso é maior do que eu ? disse LeBron, em 2018
Fonte: O Globo