Mariano, Alan Franco, Keno, Marrony, Bueno, Junior Alonso e Léo Sena. Essa é a escalação de contratações do Atlético-MG durante a pandemia. A aposta é alta, embora os problemas financeiros sejam inegáveis: o clube, no começo de junho, quase chegou ao terceiro mês de salários atrasados.
Mas o presidente Sérgio Sette Câmara diz, numa metáfora do pôquer, que não está dando “all in?, colocando tudo o que tem à mesa. No último ano do atual mandato ? a eleição é no fim do ano ?, o dirigente fala com animação sobre o acerto com Rubens Menin, da MRV, a respeito dos investimentos no time.
Em termos de reorganização financeira e estrutural, o alvo é superar o Flamengo. Dentro de campo, o presidente atleticano espera bons resultados no Brasileirão, mas crê que a colheita dos frutos mais vistosos do trabalho do técnico Jorge Sampaoli ainda demandará mais tempo. O Atlético-MG é semifinalista do Campeonato Mineiro e, no domingo, enfrenta o América-MG.
Como é que aconteceu o acerto com o Rubens Menin, da MRV, para tamanho investimento no time?
Preocupado com a situação do financeira, fui atrás do Rubens Menin. É uma pessoa com quem eu tinha relacionamento. Não era intenso como hoje. Tive uma conversa com ele: “Rubens, você teve sonho de fazer o estádio, mas de que adianta termos um estádio em dois anos e meio se não tivermos torcida entusiasmada e o clube estiver mal? Temos que pensar agora. Temos que pensar em montar um time bom desde já”. Ele entendeu o que eu estava falando. Ele disse que iria me ajudar, sob condições: organizar o Atlético, trazendo auditorias, e levantar questões do passado do clube para entender como chegamos a essa situação. Eu disse que era o que eu queria. Acredito que vamos fazer um bom papel no Brasileirão deste ano, mas o Atlético de 2021 vai ser muito mais forte. O de 2022, para inaugurar a arena, mais ainda.Estamos imprimindo um selo de qualidade organizacional. Os parceiros nos ajudaram financeiramente, principalmente nos investimentos para contratação de jogadores. Dinheiro chama dinheiro.
Mas por que a MRV e o BMG não querem pagar dívidas e, sim, contratar jogadores?
Eles são patrocinadores do clube. Ponto. E não é a MRV e o BMG. Essa ajuda é feita na pessoa física. O cara que está fazendo isso é, basicamente, o Rubens. A ajuda é com alguns pagamentos que tivemos que fazer. O Maicosuel, por exemplo. Tivemos um problema de câmbio. Tínhamos um dinheiro reservado. Foi justamente na época em que o euro foi lá para cima. Quem nos socorreu foi o Rubens Menin, que botou dinheiro lá. Até já devolvemos o dinheiro para ele. Se tem que complementar para não deixar chegar ao terceiro mês de salário atrasado, ele põe. Ele que colocou para a gente que o interesse é fazer um time forte. Se for pagando dívida, não vamos fazer time forte. Uma coisa puxa a outra. Um time forte vai trazer torcida, engajamento, ativações para monetizar o engajamento. Rubens, Rafael Menin e o Ricardo Guimarães têm histórias de competência e sucesso que emprestam para o Atlético. Experiência ganhadora. Tem uma brincadeira que o pessoal faz: “Esse cara tem dedo de ouro”. Vamos botar o dedo de ouro dele aqui.
Se fosse um jogo de pôquer, o senhor estaria dando um all in em 2020?
De jeito nenhum. Não estou dando all-in. Se fosse pôquer, eu diria que fiz cursinho com as cobras criadas de Las Vegas e aprendi a jogar. Agora, eu estou jogando com muita inteligência, com ajuda das pessoas certas, que estão me dando dicas e colocando nos eixos. O presidente que entrou em 2018 amadureceu em todos os sentidos. A vida é assim. Temos que ter a humildade para ver onde estamos errando. Eu errei muito. Mas você vai melhorando. Esse é um dos motivos pelos quais eu penso que posso ser candidato à reeleição.
O Atlético-MG se enxerga como principal candidato de oposição ao Flamengo no Brasileirão atualmente?
Não. Ainda não. Tem que esperar. Tem que maturar. O time do Flamengo vem jogando há muito tempo junto. Ainda que tenha trocado o treinador, o padrão está lá. Os jogadores já se conhecem só de olhar. É diferente pegar um time novo e entrosar. Vai demorar um tempo para entender a estratégia de jogo do Sampaoli. Ele é um treinador que tem um tipo de jogo de pressionar, mas tem a questão dos contra-ataques. O time tem que estar muito bem treinado. Vamos ter altos e baixos, é normal. Mas acreditamos muito no trabalho, por isso contratamos o Sampaoli por dois anos. De qualquer forma, vai surtir efeito agora. Esperamos que o Atlético, no mínimo, se classifique para a Libertadores. Aí entra a questão de receita gerar receia: se gasta agora e vai para a Libertadores, já tem um dinheiro diferente para o orçamento. Isso também dá visibilidade aos jogadores. Por isso o Flamengo vendeu bem. Tem condição financeira invejável também por Vinícius Júnior, Paquetá, Reinier… Aí é uma máquina.
Ver o Flamengo sem Jorge Jesus e vocês com Sampaoli aumenta seu otimismo?
A gente sabe que o time do Flamengo está pronto. O Palmeiras também, embora tenha perdido o Dudu, e tem um grande treinador, que é o Vanderlei Luxemburgo. Grêmio, Inter, Atlético-PR, Corinthians, São Paulo… Estamos nesse contexto. Vamos brigar. O entusiasmo é porque esperamos brigar na parte de cima da tabela. Não dá é para ficar olhando para baixo. Nosso projeto é de médio e longo prazo, colocar o Atlético entre os três melhores do Brasil de forma perene.
O senhor já falou que, financeiramente, troca a roda com o carro em movimento. Por que não reestruturar a dívida antes de poder, pelas próprias pernas, fazer os investimentos altos, como o Flamengo fez?
A estratégia não precisa ser literalmente igual. Temos situações diferentes, como um estádio adiante. Dentro da filosofia, temos uma meta ali. São negócios diferentes que trazem estratégias diferentes. Mas do ponto de vista de cortar custos, fazer investimentos inteligentes, compliance, organização interna, estamos fazendo à risca, como aconteceu no Flamengo. Queremos fazer até melhor que o Flamengo. A empresa que faz aqui é a que faz lá, a EY.
O Atlético tem um projeto ambicioso para o estádio. O que faz crer que será um projeto superavitário para o futuro?
Não tem case igual a ele no Brasil, porque está sendo feito com 100% de recursos do clube. É um dinheiro que não usamos para nada. É na obra e para a obra. Quando tiver pronto, vai trazer receitas de jogos – que o Palmeiras tem no Allianz Parque – e shows. A Arena MRV vai ser o novo palco de shows em Belo Horizonte, o estádio está concebido para isso. A obra está a pleno vapor, até um pouco adiantada. Estamos dependendo de uma documentação para iniciar a parte estrutural, mas acredito que ela saia antes de terminarmos a terraplanagem, que deve acabar em um mês. É a segunda maior obra no estado. É um equipamento fantástico, que vai colocar o Atlético em outro patamar. Vai trazer muita receita e visibilidade.
Podemos esperar mais contratações até o Brasileirão?
O Atlético vai no mercado, sim. Temos necessidade de dois, três jogadores para acabar de fechar o elenco. Mas quando alguém sai no mercado como o Atlético saiu, todo mundo vira e faz oferta. Acham que nasceu árvore de dinheiro e vamos sair comprando. Não é por aí. Dentro do que foi combinado com o treinador, estamos cumprindo, mesmo durante a pandemia. Dificilmente vamos fazer outros grandes investimentos. Não tem mais espaço para isso. Vamos buscar oportunidades no mercado. Quem estiver livre para vir numa condição interessante, com interesse do treinador, vamos ao mercado, fazendo proposta de forma legítima.
Teve uma situação envolvendo o Santos… O presidente José Carlos Peres chegou a suspeitar de aliciamento de jogador quando o goleiro Ederson pediu rescisão na Justiça…
Jogador tem direito de receber o dinheiro dele. É contrato. Não fez o contrato? Tem que pagar. No Atlético, posso até atrasar… Muitos me perguntam se os jogadores reclamam. Claro que eles estão insatisfeitos porque ainda tem atraso, mas eles me conhecem, sabem que vamos colocar em dia. Já tivemos situações no passado: eu falo olho no olho e cumpro. Quem não tem condição de contratar e pagar salário tem que entender que é um risco que ele corre (ações na Justiça). Teve Covid? Todo mundo tem. Cada um se vira de uma forma. Eu tive o Rubens para ajudar. Cada um procurou uma forma de se salvar. Eu achei a minha. Fui mais competente, desculpa. Qualquer jogador que tiver na praça, livre, tem direito a continuar trabalhando. Ou está sendo proposta uma espécie de lista negra com jogadores liberados na Justiça do Trabalho por não receber salários devidos? Uai. Não vou participar disso. Tô fora. Eu concordaria se fosse alguma coisa orquestrada, de forma leviana. No Santos, a gente vê pela imprensa que ele chegou em determinado momento e disse que pagaria só 30% dos salários dos caras. Como assim?
Mas investir em jogador, ao mesmo tempo, não dificulta ainda mais o trabalho do seu diretor financeiro na hora de pagar os salários? A folha do Atlético está em quanto?
Quando trazemos um, dois, automaticamente vamos tirar jogadores do atual elenco. Temos algumas negociações em andamento. O mercado abriu agora. Temos que esperar mais algumas semanas. Com certeza, há alguns jogadores que o Sampaoli não tem tanto interesse assim ou que precisam gerar receita para o clube. Vamos estar entre 23 e no máximo 25 jogadores, com uma folha dentro do que é planejado para a condição do clube. Aqui, para entrar um, tem que sair outro. Isso vai acontecer. É acordo trabalhista? É. Estamos fazendo alguns. Gera um passivo? Gera. Estamos fazendo um pagamento menor de rescisão agora para aumentar em 2021. O clube não pode ter três folhas e três imagens atrasadas. Controlar isso dentro da pandemia é aceitável. O jogador tem que entender. O futebol tem crise. De onde iria tirar dinheiro? Paramos em março. Temos levantado alguns recursos, tudo legítimo, para sobreviver. Não vou falar o número da folha, mas está dentro do fluxo de caixa.
A tabela do Brasileirão foi divulgada recentemente e há jogos do Atlético-MG na condição de visitante a serem transmitidos pela Turner, com quem o clube não tem contrato. Qual seu entendimento sobre esse imbróglio trazido pela MP 984?
Os contratos têm que ser cumpridos. A Globo comprou os direitos do Atlético-MG para o Campeonato Brasileiro. Na hora que alguém transmite o jogo do Atlético, pela vigência do contrato atual, haverá a utilização indevida de uma imagem adquirida pela Globo. O Atlético vai respeitar o contrato com a Globo. Mesmo se a MP virar lei, ela não é retroativa. O contrato está feito entre as partes. O nosso com a Globo é até 2024. Da nossa parte, enquanto estiver aqui, não deve haver rescisão.
O quão relevante é o ano de 2020 para o seu planejamento político e esportivo para o Atlético?
Eu não estou muito preocupado com a questão política. Mas, sim, com o bem estar do clube, performance esportiva. Antes de ser presidente, pensar em reeleição, quero colocar o clube numa situação em que, no próximo triênio, ele possa dar um salto gigantesco. Seja eu aqui ou outra pessoa que tenha a mesma filosofia deste grupo que eu faço parte. É formado pelo meu amigo Rubens Menin, pelo Rafael Menin, Ricardo Guimarães, pela família Salvador, o Lásaro Cunha, meu vice-presidente… Existe um grupo de pessoas bem intencionadas. Futebol é imponderável. Já vimos times espetaculares sendo montados que não tiveram sucesso. Outros, com nem tanta expectativa, tiveram vitórias incríveis. Mas a maioria dos casos, dentro da razoabilidade, é montar um grande time e esse time entregar. É o que estamos querendo fazer.
O senhor, afinal, tentará reeleição?
Tenho intenção, mas ainda não decidi. Essa questão tem que ser tratada mais para o fim do ano. A política tem que ser deixada de lado nesse momento de tanta dificuldade para sobreviver à pandemia. Mas não tenho a vaidade de ter que ser o presidente que vai inaugurar o estádio. O Atlético está em primeiro lugar. Fazer qualquer tipo de imbróglio agora só vai prejudicar o clube. Quem busca isso não coloca o clube à frente dos próprios interesses. Não é o meu caso.
Já ouvi do senhor e de outros presidentes críticas às dívidas deixadas por gestões anteriores. Fazendo um exercício de futurologia, seu sucessor terá motivos para reclamar?
O meu legado está todo no time. Quanto vale o time? Faz a conta: É só pegar o time que eu recebi em 2018. Quanto é que vale o time hoje? Guga, Arana, Junior Alonso, Alan Franco, Marrony… Vale muito dinheiro. Quanto é que eu deixo? O caso da WRV, uma cobrança de R$ 80 milhões, eu paguei R$ 44 milhões e vinha desde 2000. Quantas gestões passaram? Tem que contar o que eu paguei, o que vou deixar de pagar e quanto vale o elenco que vou deixar. Vai valer uns R$ 100 milhões a mais, no mínimo. Mais do que suficiente para pagar os investimentos que foram feitos. A conta fecha com saldo positivo.
Hoje, como está sua relação com o prefeito Alexandre Kalil?
A relação que eu tenho com ele é nenhuma. Porque não tenho mais contato. Ele está lá cuidando da prefeitura e eu cuido do clube. Tem muito tempo que a gente não se encontra. Acho que ele tem uma filosofia diferente da minha para o Atlético. Cada um segue seu rumo. Não tenho inimizade com ele ou algo parecido. O único evento que aconteceu e pelo qual ele teria motivo de ficar chateado comigo foi a saída do filho dele. Mas não foi porque eu mandei embora. O Felipe (Kalil, médico) pediu para ir. Ele foi na minha casa duas vezes falar isso. O problema dele nunca foi comigo. Tinha uma razão pessoal. Pode ir ao Felipe perguntar. Ele é um camarada maduro, senhor dos seus atos. Lamentei, entendi.
É viável ou possível uma aliança em relação à eleição?
Se depender de mim, vamos fazer uma eleição tranquila, sem briga política. O Atlético vive um momento mágico, com Arena, aquisição de jogadores, investimentos, auditorias, engajamento da torcida. O momento sinaliza que o clube pode realmente ter muito sucesso no futuro próximo. Em campo e fora de campo. Para isso acontecer, é imprescindível que haja paz política. Nunca vi sucesso em clube tendo briga política. Entendo que cada um pode defender seu ponto de vista, principalmente se algo não tá funcionando… Mas dizer que é porque eu não ganhei título em dois anos? Ah, pera aí. O próprio Alexandre Kalil, nos três primeiros anos, ganhou praticamente nada e bateu à porta na zona de rebaixamento. Ele pegou um clube na situação complicada também. Mas eu tenho que consertar a parte financeira, remontar time, ganhar título em dois anos? Refazer um monte de coisa? Daniel era um ótimo presidente, um cara bacana, mas pegou um time pronto.
Quais os resultados e diagnósticos obtidos até agora pelas consultorias contratadas pelo Atlético? Me refiro à Falcone, EY e Kroll.
Em novembro do ano passado, iniciamos o trabalho com a EY. Ela apresentou o diagnóstico em dois meses. Contratamos mais três auditorias: a Kroll, a ICTS e a Falconi, para ver a parte de governança e compliance e reestruturação financeira do clube, fazer um novo organograma, com um plano de encargos e salários observando a realidade do mercado. O futebol costuma supervalorizar salários. Claro que tem artista da Globo que ganha mais do que outro. Se um é o Tarcísio Meira e o outro está chegando agora… Tudo bem. A Falcone estrutura gastos, folha de pagamento, para que não haja sobreposição de funções. A EY deu um diagnóstico há tempo. Já está na fase dois, de parte financeira e econômica. Ela é coparticipante de reestruturação das funções. O Atlético tem uma lacuna na questão de marketing e preenchemos a vaga. Com a Kroll, já houve reunião preliminar. O relatório deles ainda precisa de algumas semanas para ficar pronto. Acredito que em meados de agosto ficará OK.
O Atlético hoje tem um endividamento líquido de R$ 656 milhões. Dívida, por si só, não é um problema. Mas pode ser para um clube como o seu, cujo endividamento a curto prazo (para o exercício corrente) era de R$ 281 milhões em dezembro. Com previsão de receita na casa dos R$ 300 milhões, R$ 350 milhões, como gerir esse passivo?
Não tem muito segredo. Temos que fazer uma reunião com um grupo que já foi escolhido pelo presidente do conselho para que ele apresente soluções junto à diretoria financeira. O Atlético tem patrimônio líquido positivo. Isso significa que temos mais patrimônio do que dívida. Se a solução vai ser criar um fundo, vender outra parte do shopping ou outro tipo de negociação, não sei dizer. Tem muita gente competente no conselho para dar boas ideias. Sou presidente do clube, mas sou mais um conselheiro. É um problema de todos. Não é só meu. Várias cabeças vão ajudar. O que estamos fazendo hoje em termos de organização vão reduzir a dívida. O Atlético, sem dívida, ninguém vai segurar.
Fonte: O Globo