Apesar da paralisação do futebol causada pela Covid-19, a rotina de Leandro Sousa tem sido agitada. Nos últimos três meses, o jogador do sub-12 do Nova Iguaçu mantém uma programação diária que inclui treinos físicos e corridas em chão de terra batida. Tudo filmado pelo pai, Evandro, que envia as imagens ao preparador físico do clube, a 1.494km dali. É a distância entre a cidade da Baixada Fluminense e Palmas (TO), para onde a família regressou por causa da pandemia ? movimento que se tornou comum na base do futebol brasileiro.
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Enquanto os profissionais retomam as atividades, as categorias inferiores seguem na inércia. Não há previsão de retorno ? só incerteza.
Para os garotos cuja cidade ou estado de origem não são os mesmos do clube, a solução foi voltar para casa e aguardar o chamado de volta. Foi o que fizeram os pais de Leandro, há três anos no Rio.
? Estávamos sem emprego e ainda veio a pandemia. Preferimos voltar para nossa terra ? conta Evandro.
Assim como eles, vários seguiram esse caminho. Administrador de um condomínio de 26 apartamentos em Xerém, distrito que abriga três CTs de clubes (Fluminense, Tigres e Duque de Caxias), Marcus Vinícius Ximenes conta que hoje só cinco estão ocupados por famílias de jovens atletas.
? Tem gente de Minas, São Paulo, Espírito Santo, Bahia… Todos voltaram. Mas continuam pagando o aluguel. Têm medo de entregar o imóvel e, quando o clube chamar, não ter mais vaga.
Foi este receio que levou Remilda Loiola, mãe do zagueiro João Vitor, do sub-15 do Fluminense, a permanecer. Sua principal renda hoje é o aluguel de uma casa em Natal. Para retornar à capital potiguar, teria que abrir mão desta receita e pedir a propriedade de volta.
? Teria que pagar o aluguel daqui, fora as despesas em Natal ? conta Remilda, que vive há quatro anos em Xerém.
Os jogadores que viviam sozinhos no Rio ? seja em imóveis pagos pelos empresários ou em alojamentos dos clubes ? não tiveram escolha. Hoje, aguardam um chamado que ninguém sabe quando virá. Só as bases dos grandes do Rio somam cerca de 1.320 garotos.
A relação dos clubes com os adolescentes varia. Em geral, todos enviam programações de exercícios físicos. Nos maiores, os departamentos de nutrição, psicologia e assistência social também participam. Como nem toda família esperava receber estes jovens agora, a volta para casa inspira cuidados.
? Muitos deles não têm contrato ainda. E recebiam a alimentação do clube. Então a maior dificuldade que temos percebido nas famílias é financeira ? conta Simone Luz, psicóloga do Fluminense. ? Há também muitas famílias que largaram tudo para vir com o atleta, deixaram o emprego. E agora precisaram voltar pra casa.
Programação incerta
O sub-20 é o único que vislumbra uma saída. A CBF sinalizou com o início do Brasileiro da categoria em 23 de setembro. Os treinos devem começar em agosto. Até lá, resta aguardar e se exercitar por conta própria. Como fazem o volante Milton e o zagueiro Diego, do Tupi (MG). Enquanto no estádio do Duque de Caxias a única movimentação é a do funcionário que cuida do gramado, a poucos metros dali os dois utilizam um campo público para fazer as atividades passadas pelo preparador físico do clube mineiro.
Detalhe: quando os dois acertaram com o Tupi para reforçar o sub-20, a pandemia chegou ao Brasil e os impediu de viajar para assinar contrato. É nesta condição que têm se virado para manter a forma até o próximo mês, o que também exige gastos com suplementação alimentar.
? A gente tem que dar nosso jeito para ter dinheiro. Capina quintal, pinta… ? diz Milton.
Como um efeito dominó, a paralisação atinge outros profissionais. Personal trainer em Xerém, Leonardo Lopes viu 12 dos seus clientes (a maioria de base) viajarem. Também ganhou alguns que voltaram para casa, Mas o prejuízo foi inevitável. Se antes trabalhava com 25, hoje atende 16.
? Os que não foram embora é porque os clubes não bateram o martelo se voltam ou não este ano. E a passagem é cara. Tenho aluno que mora em Alagoas.
Sem sinalização das autoridades, os clubes acreditam que a base só vai reabrir quando as aulas presenciais forem liberadas. Já os torneios, a julgar pelos custos dos protocolos de segurança ? que incluem testagem de todos envolvidos ? correm o risco de ficarem a mercê de uma vacina.
Fonte: O Globo