FLORIANÓPOLIS – O novo coronavírus já estava no Brasil em novembro de 2019, conforme apontam pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foram encontrados registros de RNA do vírus no esgoto de Florianópolis. As duas amostras que compõe o primeiro registro da doença nas Américas foram colhidas em 27 de novembro de 2019, dois meses antes do primeiro caso clínico ser relatado no Brasil, e foram acessadas pelos pesquisadores em 9 de junho deste ano.
As amostras estavam congeladas e o resultado da pesquisa foi divulgado nesta quinta-feira, 2. A descoberta inédita é descrita na pesquisa SARS-CoV-2 in human sewage in Santa Catarina, Brazil, November 2019, de pesquisadores da instituição federal no Estado, da Universidade de Burgos (Espanha) e da startup BiomeHub. O artigo científico passa por revisão e teve versão preliminar distribuída pelo site MedRxiv.
A pesquisadora Gislaine Fongaro, do Laboratório de Virologia Aplicada da universidade, explicou que a descoberta não significa que a pandemia teve origem no Brasil, mas que ela começou antes do que se imagina. Ela lembra que estudos semelhantes encontraram o SAR-CoV-2 no esgoto de Wuhan, na China, em outubro, e na Itália no início de dezembro, antes do vírus ser descrito, em 31 de dezembro de 2019.
“Devemos, sim, olhar para amostras retroativas de pacientes também, se tivermos essas amostras, para entender o fluxo do vírus”, indicou Gislaine. A pesquisadora diz que o desconhecimento da doença mundialmente antes de dezembro pode ter impedido o diagnóstico correto em pacientes.
“Antes disso (da descrição do vírus), não se tinha como desconfiar porque não se sabia que o vírus existia. Talvez com esse estudo a gente consiga, agora, olhar para amostras retroativas também de pacientes para saber desde quando o vírus circulava. É possível que pacientes com problemas pneumônicos ou outros problemas respiratórios poderiam estar com SAR-CoV-2, mas não se buscava ele”, explicou ela em coletiva realizada na tarde desta quinta.
O estudo também é o primeiro nas Américas a analisar o esgoto de forma retrospectiva, como já ocorreu na Europa e Ásia. Em quatro coletas seguidas, o estudo também apontou um avanço na presença de genomas do vírus nas amostras analisadas.
A carga constatada em 27 de novembro foi considerada baixa: 100 mil cópias de genoma do vírus por litro. Depois disso, em 11 de dezembro e 20 de fevereiro, as amostras deram positivo em doses mais elevadas. Até que em 4 de março a carga de SARS-CoV-2 chegou a um milhão de cópias de genoma por litro de esgoto.
“As pessoas não precisam ficar apavoradas com contaminação. O esgoto só é uma representatividade do que já tem na população”, disse a pesquisadora. Ela pondera que as pessoas podem ou não ter ficado doentes neste período, e ter atribuído algum sintoma a outras doenças. Amostras colhidas em 30 de outubro e 6 de novembro, por exemplo, não apresentaram traço do vírus, o que poderia delimitar um marco temporal os avanços da pesquisa.
Coletas no esgoto
As coletas foram realizadas em pontos de transporte do esgoto sanitário da capital catarinense e, segundo a pesquisadora, indica que o vírus já circulava até 20 dias antes do primeiro registro apontado pela pesquisa. “Quando você já está excretando o vírus, significa que ele já passou pelo sistema respiratório, pelo sistema gastrointestinal. São pessoas que já estão 15 ou 20 dias com o vírus, é o que tem apontado as pesquisas”.
Questionadas se a amostra pode apontar a origem do vírus e se ele poderia ter sido trazido por uma única pessoa, as pesquisadoras explicaram que estudos futuros podem criar perspectivas para se descobrir de forma mais precisa a origem do novo coronavírus.
“Nós estamos trabalhando no genoma completo dos vírus dessa amostra e podemos fazer uma análise comparativa com o que já se tem de estudos em banco de dados e na literatura, e, talvez, fazer um caminho retrospectivo. Digo talvez porque não temos certeza que vamos encontrar modificações que vão apontar esse caminho diferente”, explicou Patrícia Hermes Stoco, do Laboratório de Protozoologia da UFSC. “Nas amostras desta coleta, em princípio, não identificamos nenhuma mudança significativa com o vírus que está circulando. Mas nos resultados das próximas semanas vamos tentar fazer um caminho retrospectivo”, continuou.
Assinam o pré-print do artigo que foi encaminhado para publicações científicas Gislaine Fongaro, Patrícia Hermes Stoco, Dóris Sobral Marques Souza, também da Virologia, Edmundo Carlos Grisard (Protozoologia/UFSC), Maria Elisa Magri (Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental), Paula Rogovski (Virologia/UFSC), Marcos André Schörner (Laboratório de Biologia Molecular, Microbiologia e Sorologia/LBMMS/UFSC), Fernando Hartmann Barazzetti (LBMMS/UFSC), Ana Paula Christoff (BiomeHub), Luiz Felipe Valter de Oliveira (BiomeHub), Maria Luiza Bazzo (LBMMS/UFSC), Glauber Wagner (Laboratório de Bioinformática/UFSC), Marta Hernández (Seção de Microbiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Burgos) e David Rodriguez-Lázaro (Seção de Microbiologia/Burgos).
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Fonte: Terra Saúde