Dois gigantes do futebol mundial anunciaram a transferência de dois jogadores entre si. Mais do que a repercussão esportiva da troca entre Juventus e Barcelona envolvendo os meio-campistas Arthur e Miralem Pjanic, a negociação traz consigo um relevante ingrediente financeiro e contábil para ambos os lados.

A ida de Arthur para a Itália fará a Juventus desembolsar ? 72 milhões diluídos em quatro temporadas. O valor pode crescer em ? 10 milhões, dependendo de condições variáveis ao longo do contrato, cuja duração é até 30 de junho de 2025. A contratação de Pjanic, por outro lado, fará com que o Barcelona pague ? 60 milhões, também divididos em quatro temporadas. O montante poderá crescer em ? 5 milhões, de acordo com cláusulas variáveis.

Segundo a Juventus, a operação gerará um efeito econômico positivo de ? 41,8 milhões líquidos, tirando mecanismo de solidariedade – Grêmio e Goias vão receber, por exemplo – e comissão dos intermediários.

Mas e daí?

Olhando apenas para os valores envolvidos em cada negociação, a impressão é que a Juventus, na prática, terá que pagar ? 12 milhões. Punto e basta. Mas o efeito contábil não se identifica de forma tão simples assim.

– A análise precisa ser feita isoladamente, atleta por atleta, como se fossem duas negociações distintas. A margem não está entre eles, mas, sim, entre o valor recebido e o valor registrado de cada atleta – explica o economista César Grafietti, consultor do Itaú BBA.

O mecanismo estabelecido pelos clubes leva em conta a amortização no balanço financeiro dos valores investidos ao longo da duração dos contratos dos jogadores. A receita da venda é inserida no exercício corrente, enquanto a despesa por parte do clube que comprou é espalhada ao longo dos anos.

Arthur, hoje com 23 anos, foi comprado pelo Barcelona em julho de 2018 por ? 30 milhões, com um contrato de seis temporadas. Ou seja, seu valor contábil no balanço do clube foi diluído ao longo da duração contratual. Por essas contas, o valor atual dele na condição de ativo intangível do clube era de ? 20 milhões, já que ele cumpriu dois anos do contrato. Olhando, então, o valor pago pela Juventus, o lucro bruto na transação foi de ? 52 milhões, sem contar o efeito dos salários.

Pjanic, de 30 anos, foi comprado pela Juventus em julho de 2016 por ? 35 milhões, com contrato até 2021. Mas o vínculo vigente até o momento era fruto de uma renovação feita em 2018, que culminaria em meados de 2023. Assim, levando em conta a amortização ao longo do tempo de contrato, Pjanic teria um valor contábil de ? 13 milhões no ativo. Olhando o valor pago pelo Barcelona, o lucro bruto na transação foi de ? 47 milhões, sem contar o efeito dos salários.

– O preço alto de venda muda o resultado financeiro – completa César Grafietti.

Toda essa engenharia tem uma razão: fair play financeiro da Uefa, a ferramenta que estabelece limite de gastos e controla o ritmo dos investimentos no futebol. E não por acaso a negociação entre Barcelona e Juventus foi anunciada um dia antes do fechamento do exercício contábil dos clubes europeus. Se as contratações fossem lançadas de uma vez só, sem amortizações, os clubes excederiam o limite de déficit por temporada. A medida turbina os números do exercício corrente.

A própria Juventus fez movimento similar junto ao Manchester City, na negociação envolvendo os laterais-direitos Danilo e João Cancelo.

Para os especialistas, esse tipo de negociação não se trata de algo ilegal, embora a arquitetura seja nitidamente feita pensando nos balanços financeiros.

– Claramente é uma operação de ajuste contábil. Tem um ingrediente de subjetividade. Quem vai dizer quanto custa o Arthur é o mercado. A Uefa vai muito em função do mercado – diz o advogado Marcos Motta, que participa de transações no mercado europeu.