A Medida Provisória assinada semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro, que altera a comercialização dos direitos de transmissão do futebol, recebeu 91 emendas no Congresso. Entre elas, está a do deputado federal Pedro Paulo (DEM-RJ). Além de tirar a prerrogativa exclusiva de negociação do mandante, conforme estabelecido no texto original da MP, a proposta traz a obrigatoriedade de que os clubes formem uma associação ou liga visando à comercialização em conjunto dos direitos. O prazo para apresentação de emendas à comissão mista da Câmara e do Senado expirou nesta terça-feira.
Gerar debate a respeito da formação de liga parece interessante para alguns clubes, mas a emenda de Pedro Paulo atrai críticas a respeito da concepção, considerada por juristas como inconstitucional.
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Na alteração da Lei Pelé, Pedro Paulo condiciona a participação dos clubes em competição profissional à cessão dos direitos de arena e comerciais para a entidade representativa ou a CBF. Caberiam a elas negociar coletivamente os direitos. Mais adiante, a redação do artigo 2º da MP, segundo a emenda de Pedro Paulo, estabelece que, a partir do início da temporada 2022, as Série A e B deverão ser organizadas e desenvolvidas por uma liga. O próximo ciclo de contratos a serem negociados, majoritariamente, começa em 2025.
– É um passo a mais para o Brasil ficar alinhado com o mercado mundial. Temos que garantir que as negociações sejam coletivas. Todo mundo ganha. Ainda mais com a vantagem que temos de fazer isso já sabendo como são os ciclos de negociação das ligas europeias – disse Pedro Paulo, que também relatou o projeto do clube-empresa, atualmente travado no Senado.
Politicamente, a iniciativa mexe com o domínio da CBF sobre a organização da Série A. A entidade não quis se pronunciar oficialmente. Nos bastidores, a visão é que não há base constitucional para forçar a criação de associação. Vale lembrar que a Lei Pelé permite que os clubes se organizem em ligas desde 1998. Só que não houve movimento que convergisse para isso.
A base para o argumento da inconstitucionalidade da emenda de Pedro Paulo é o mesmo citado pelo advogado Wladimyr Camargos, doutor em Direito Constitucional. A resposta remete a trechos do Artigo 5, que trata dos direitos e garantias fundamentais. No inciso 18, é dito que “a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. O inciso 20 vai além: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Para completar, o artigo 217 ainda estabelece a autonomia das entidades esportivas.
– Entendo o bom intento do deputado. Mas são cláusulas pétreas. Elas não podem sem ser alteradas por uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), quanto mais por uma emenda em MP. Isso não é razoável. Ninguém pode ser obrigado a se associar, para qualquer objetivo que seja. O clubes se associam ou não porque querem. O estado não pode intervir. O Congresso não aprovaria isso, no meu entendimento. Se aprovar, o STF deve interferir – explicou Camargos.
Pedro Paulo entende haver uma brecha para levar a emenda adiante pelo fato de os clubes terem, na condição de associações sem fins lucrativos, isenções de impostos e participarem de parcelamentos de dívidas junto à União.
– Às vezes, o poder público precisa impor, criar condições, o ambiente. O mercado do futebol é subsidiado, não é 100% privado. Quando você dá isenção tributária, refinanciamentos de dívidas… Preferimos que o mercado se regule, mas como isso não acontece… – ponderou o deputado.
Mas essa visão também é refutada por Wladimyr Camargos, que se remete ao início da Era Vargas:
– A isenção tributária, desde a época de Getúlio Vargas, não pode ser condicionada a qualquer contrapartida que não seja da autorregulação do mercado. Explico melhor: no Estado Novo, surgiu a chamada censura tributária. A imprensa usava muito papel. Vargas disse que só teria isenção de tributos sobre a importação do produto quem tivesse um carimbo do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Era uma censura. O STF criou a jurisprudência. Não pode condicionar um benefício tributário a uma contrapartida política.
Visão dos clubes
Da parte dos clubes, não há definição de opinião em bloco sobre a criação de ligas. Os dirigentes terão uma semana cheia de reuniões e o tema MP, como um todo, estará à mesa. Mas alguns dirigentes já fizeram ressalvas a Pedro Paulo.
– O Flamengo, por exemplo, acha que não precisa da emenda. Mas acredita que a liga vai ser processo óbvio e natural e consequente. Que seria criada até 2024 – disse o parlamentar.
A exemplo do Flamengo, o presidente do Bahia, Guilherme Bellintani, apoia a versão original do texto assinado por Bolsonaro, permitindo ao mandante comercializar seus direitos. Sobre a liga, Bellintani entende que ao menos é valido gerar um debate.
– A reforma do futebol brasileiro entrou de vez na agenda. Há muitas disputas, mágoas e feridas abertas. Para avançarmos, é muito importante que esses movimentos não representem guerras e vinganças. Maturidade e transparência serão fundamentais. Vamos ao debate, será positivo – escreveu ele, no Twitter.
Sobre o texto original da MP, a TV Globo, principal detentora dos direitos de transmissão do futebol brasileiro, considera que o texto foi feito sem discussão entre clubes e CBF. A emissora ainda entende que a MP não tem validade sobre contratos em vigor e suas competições relacionadas.
Por natureza, a Medida Provisória tem vigência de 60 dias, prorrogáveis por mais 60. Se não for aprovada no Congresso, ela perde a validade.
Fonte: O Globo