Diretor de Aquisição de Direitos da TV Globo, Pedro Garcia disse que ficou surpreso com a publicação da MP 984, assinada na última quinta-feira pelo presidente Jair Bolsonaro, que interfere nos direitos de transmissão dos eventos esportivos no Brasil. Para ele, o momento foi inesperado, já que não julgava que qualquer alteração na Lei Pelé tinha caráter de urgência no contexto da pandemia e da discussão sobre o futuro dos clubes após a crise.
A MP acaba com obrigação de anuência do visitante para televisionamento de partidas, mas, no entendimento da Globo, não tem validade nos contratos vigentes, celebrados ainda na legislação antiga. Pedro prega um debate amplo para se chegar ao melhor modelo para o futebol brasileiro, deixa claro que os clubes são livres para comercializar seus direitos, e frisa que o histórico de parceria com os clubes mostra que o que for melhor para o esporte, terá o apoio da TV.
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Como a Globo recebeu a notícia da assinatura da MP, e por que a emissora entende que ela não tem efeito imediato para o Carioca e Brasileirão?
Recebemos com surpresa a inclusão de alterações na Lei Pelé sem nenhum caráter de urgência. O nosso entendimento sobre os efeitos da MP, externado ontem em nota oficial da Globo, é de que mesmo aprovada no Congresso, não modifica os contratos vigentes, seja do Campeonato Carioca, do Brasileirão ou qualquer outro, pois esses contratos são negócios jurídicos perfeitos protegidos pela nossa Constituição Federal no inciso XXXVI do artigo 5º onde diz que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada?.
Em um contexto de pandemia e discussões sobre o futuro dos clubes, o fato de o governo ter lançado mão de uma MP para alterar regras de vendas de direitos neste momento foi surpreendente?
Além do que já expliquei, essa questão das regras de vendas dos direitos de arena previstas na Lei Pelé não parecia ser uma discussão entre os 40 clubes que fazem parte da Série A e B em 2020, com quem temos contato permanente. E, arrisco dizer, muito menos alinhada entre todos eles. Mas é importante deixar claro que a forma de venda de qualquer direito não é uma prerrogativa ou definição de quem compra. Os clubes têm todo o direito de decidir a forma melhor de monetizar seus direitos.
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A MP, por sua natureza, demanda discussão futura no Congresso. Como a Globo pretende se posicionar diante disso?
Certamente a favor do amplo debate. Nós somos e sempre seremos a favor de qualquer discussão que ajude a aprimorar o futebol nacional e sua gestão. A Globo espera que todas as entidades envolvidas no futebol se posicionem e que o assunto seja amplamente debatido, para que prevaleça o que for melhor para o esporte.
Qual o efeito que o modelo proposto pela MP terá no equilíbrio da divisão de receitas oriundas dos direitos de transmissão?
Não é uma resposta simples, pois existem prós e contras. De novo, os clubes devem avaliar o que é melhor para eles. De forma macro, a mudança para o direito de venda do jogo ser do mandante só deve ser benéfica para os clubes e para o futebol se houver uma venda em bloco, uma união entre os clubes, a tão falada discussão de uma liga, para que os times de maior torcida e mais relevantes no país não tenham uma vantagem desproporcional em relação aos demais. E também acho complexa essa venda clube a clube nas competições mata-mata, onde não há uma pré-definição de quem jogará a competição toda, além de nem sempre existir jogos de ida e volta, que são uma necessidade nesse modelo em que só o mandante ganha. Mas, novamente, é cedo para prever qualquer efeito.
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A MP aproxima o futebol brasileiro do caminho para a criação de uma liga?
Acho que pode ser uma boa oportunidade, desde que seja utilizada para um amplo debate, entre as entidades e no Congresso. Espero que tantos outros assuntos sejam discutidos de forma positiva e ampla, como a difícil situação financeira da maioria dos clubes, a efetividade do Profut, a falta de patrocínios regulares, a presença nos estádios, os cambistas de profissão, a pirataria, a legislação trabalhista que impacta a contratação dos jogadores, o calendário apertado, o volume de jogos de cada clube por ano… são muitas as questões que impactam nosso futebol.
No cenário da legislação em vigor antes da MP, clubes vendiam seus direitos para os 38 jogos do Brasileiro, ainda que dependessem de anuência do adversário. Agora, cada um terá um pacote de 19 jogos. Isso pode alterar a percepção de valor dos direitos, em especial dos clubes com mais receitas?
Acredito que para ser benéfica para todos os clubes, e por consequência para o futebol, essa negociação deve ser feita em bloco para que todos gerem valor, e os do alto da pirâmide, como você menciona, não tenham uma situação privilegiada. De novo, essa é uma discussão ampla e uma pauta para todos os clubes, considerando até a grande diferença que existe entre as competições, as regiões, até o fato de que ainda será necessário aguardar que os contratos em vigor cheguem ao fim.
Clubes médios e pequenos, por exemplo, passam a poder ir ao mercado com a certeza de ter a oferecer um jogo contra os principais clubes do país. Isso os fortalece no mercado?
Pode fortalecer ou não, pois mesmo tendo em seus 19 jogos como mandante, partidas contra os principais clubes do país como citado por você, eles deixam de vender 38 jogos para vender 19. Com certeza tem muita gente que pensa diferente e que acha que mesmo assim faz sentido. Isso é o mais importante, um debate entre todos aqueles que defendem os interesses do futebol e da população que consome e trabalha nesse mercado.
A Globo entende que a negociação em separado dos direitos foi o melhor caminho para o futebol brasileiro?
Não sei dizer se foi o melhor, mas muito se avançou desde lá. O próprio novo modelo de divisão de receitas das vendas de TV aberta e por assinatura, em vigor desde 2019 na Série A, foi um super avanço que trouxe mais equilíbrio entre os clubes, seguindo alguns modelos usados na Europa. Já tivemos uma espécie de liga com o Clube dos 13 e hoje temos a venda individual. Os modelos têm prós e contras. O importante é que os clubes consigam criar uma união pelos interesses comuns. Esse é um negócio de bilhões de reais e que emprega muita gente, sem deixar de mencionar o velho jargão da paixão nacional, mas infelizmente ainda é gerido de forma passional, com egos e disputas políticas. Já melhorou bastante, mas ainda há muito a fazer.
Qual a perspectiva que exemplos internacionais de negociação exclusiva do mandante, como México, podem gerar? Por outro lado, modelos da Espanha, Inglaterra, etc. vão em sentido contrário?
Não existe receita de sucesso. Olhar outros mercados é vital, mas não é um ?corta e cola?. Temos que criar o nosso modelo, entendendo as oportunidades e limitações.
O Flamengo foi um dos líderes do movimento pela MP, mas até 2024 o Estadual é a única competição que não está comprometida por contratos em vigor. Acredita que mobilização é só em função dos direitos do Estadual? Como fica a negociação para os jogos finais da edição atual?
Difícil dizer qual a motivação do Flamengo e se existem outros interesses além do Estadual. Até terça à noite, estávamos negociando com o clube uma forma de exibir os jogos restantes do Carioca. Tínhamos feito uma proposta financeira para exibir até dois jogos na TV Globo e os demais no Premiere, mas o Flamengo não aceitou.
O clube tem, abertamente, um projeto de se tornar uma marca global. Entende que há uma estratégia voltada para direitos internacionais?
Não faço ideia, mas como se diz por aí, num jogo de futebol não existe um time só!
Pelo relacionamento que a Globo tem com os clubes, sente se o teor da MP é uma demanda geral dos que fazem parte da elite?
Nunca foi pauta das nossas discussões de contratos, mas, como eu disse, qualquer modelo que seja amplamente discutido e se revele melhor para o esporte, preservando a segurança jurídica, terá nosso apoio. Nosso histórico de parceria com os clubes e investimento no futebol é a maior prova de que o que for melhor para o esporte tem que ser o melhor para nós. A gente entende o futebol como um jogo onde todos devem ganhar: os torcedores, os clubes, os jogadores, os patrocinadores e também as empresas que compram os direitos da sua transmissão. O gramado deveria ser o único lugar de onde sai só um vencedor. (Colaborou Igor Siqueira)
Fonte: O Globo