Desde 1938, a Finlândia oferece às famílias de recém nascidos uma caixa de papelão – normalmente recheada de produtos para bebê – que pode ser usada como alternativa para os berços tradicionais, minicamas e moisés. A iniciativa é tão popular que outros países já adotaram o programa ou tentam implementá-lo. É o caso do Royal College of Midwives, no Reino Unido, que, no ano passado, anunciou estar estudando a possibilidade de trazer o projeto para a realidade da região. No entanto, o anúncio gerou polêmica uma vez que alguns especialistas se colocaram contra a sugestão alegando que as caixas poderiam oferecer riscos à vida dos bebês.
Ainda assim, para os finlandeses, a tradição se mantém firme e chega a atingir até o presidente do país, que recentemente se tornou pai e recebeu a caixa de papelão de presente. Mas como o programa se tornou tão popular e qual é o significado dele para o povo finlandês? Segundo a BBC, a caixa de papelão tem vários motivos para existir, incluindo promover igualdade social, equidade de gênero e melhor saúde para mãe e bebê.
Saúde
A caixa de papelão, introduzida em 1938, é dada de presente pelo Estado com o objetivo de melhorar a saúde materna e infantil. Dados indicam que, em 1936, 4543 crianças morreram antes de completar o primeiro ano, o que representava 66 mortes a cada mil nascimentos. Outro ponto importante para o lançamento da caixa estava em promover maior saúde para a população, que em sua maioria (80%) viviam em vilarejos pobres e agrários, onde os serviços de saúde e o conhecimento sobre questões de saúde ligados à gravidez eram limitados.
Os partos, por exemplo, aconteciam em casa e, muitas vezes, não forneciam condições de higiene adequadas – motivo pelo qual as primeiras caixas incluíam uma folha limpa de papel para o parto. Por causa disso, o governo achou necessário conscientizar os futuros pais sobre a importância do acompanhamento médico: o recebimento da caixa estava associado ao compromisso de visitar um médico, parteira ou clínica de pré-natal para realização de check-up. Ainda hoje o programa continua incentivando as gestantes a buscar os cuidados pré-natal.
Política e economia
Além das questões de saúde, o programa também tinha como proposta enfrentar o baixo crescimento populacional já que, no início do século 20, houve um declínio populacional no país em decorrência das mortes provocadas pela Primeira Guerra Mundial. Além disso, haviam outras duas preocupações: a necessidade de futuros contribuintes e o receio de que uma possível nova guerra mundial exigisse soldados. “Bebês saudáveis aumentariam o número de contribuintes saudáveis. Nos anos 1930, o governo temia que uma nova geração de finlandeses fosse requisitada pelo Exército para lutar contra as ameaças da Alemanha de Hitler e da União Soviética de Stalin”, explicou Sanna Särkelä, etnóloga finlandesa, à BBC.
Responsabilidade social
A partir de 1949, a caixa do bebê passou a ser distribuída para todos os futuros pais da Finlândia. Até mesmo o atual presidente Sauli Niinistö recebeu o presente no ano passado em decorrência do nascimento de seu filho, que deve ocorrer este mês. Entre os itens da caixa estão roupas – que são iguais para toda criança. Para muitos, essa atitude reflete a abordagem igualitária do país para estabelecer um senso de responsabilidade social compartilhada.
“É uma espécie de símbolo da sociedade igualitária finlandesa. Todo mundo tem a mesma caixa, seja rico ou pobre. A caixa tem tudo o que o bebê precisa. Ela dá um bom começo de vida especialmente para famílias pobres”, ressaltou a nova mãe Heini Särkkä, à BBC. Algumas pessoas ainda acreditam que as roupas eliminam a necessidade dos pais se preocuparem com a marca ou se a peça reflete a riqueza da família.
Essa ideia de igualdade também pode ajudar a unir pais e mães de recém-nascidos: como as roupas da caixa mudam anualmente, é fácil identificar quais bebês nasceram na mesma época, o que proporciona assunto de conversas que podem conectar familiares de crianças da mesma idade.
Equidade de gênero
No início da distribuição, a caixa buscava a saúde da mãe e do bebê para tentar “repor” a população. “Na época, a produção de bebês saudáveis, e do maior número possível deles, era apresentado quase como um serviço militar feminino”, disse a etnóloga Sanna Särkelä, à BBC. No entanto, conforme a situação do país evoluía, o conteúdo da caixa passou a mudar. Agora, as roupas fornecidas são de gênero neutro para meninos e meninos, o que demostra a ideia de que ambos os sexos são iguais.
Aliás, parte do motivo pelo qual a Finlândia se tornou uma das economias mais avançadas da Europa foi a inserção da mulher no mercado de trabalho. “Nos anos 1970, um número crescente de mães de crianças pequenas entraram na força de trabalho. Isso foi reflexo do aumento das políticas de igualdade de gênero para estimular a participação da força de trabalho feminina e incentivar a participação masculina nos lares”, afirma Anna Rotkirch, do Instituto de Pesquisa Populacional da Federação da Família Finlandesa, à BBC.
Importância social da caixa
Apesar de não ser mais o país pobre que já foi, a Finlândia mantém o compromisso de distribuir a caixa a todas as famílias de recém-nascidos no país. De acordo com Anniina Kuokka, coordenadora das políticas da família da Kela, agência governamental finlandesa encarregada de liquidar benefícios sob programas nacionais de seguridade social, essa é uma forma de o governo manter a proposta igualitária. Para isso, são investidos de 9 a 11 milhões de euros (entre 38 e 46 milhões de reais) por ano para dar continuidade ao programa.
Quando o projeto foi introduzido, o valor dos itens que acompanhavam a caixa do bebê eram de aproximadamente de 450 marcos finlandeses (o equivalente a 10 reais), valor que refletia um terça do salário mensal dos trabalhadores industriais da época. Ao longo dos anos, a caixa recebeu maior investimento – e mesmo durante a crise financeira de 2008 o valor se manteve estável. “Aumentamos o valor da caixa duas vezes recentemente, em 2001 e em 2017. O último aumento foi de 30 euros, o que é cerca de 20%”, afirma Karoliina Koskenvuo, diretora de pesquisa da Kela, à BBC.
Resultados
Após a introdução da caixa do bebê, a realidade finlandesa mudou: com o compromisso de procurar assistência médica durante a gestação, a taxa de mortalidade infantil caiu e a população passou a crescer. Os resultados positivos refletem até hoje nos números do país: em 2017, a Finlândia tinha 3,9 mortes infantis a cada mil nascidos vivos e natimortos, dez vezes menos do que na década de 1930. A mortalidade maternal também caiu consideravelmente: em 1960 eram 71,8 a cada cem mil partos. em 2016 caiu para 5,7.
É preciso ressaltar que esse progresso envolve não apenas a caixa do bebê, mas também maior investimento na saúde, com unidades médicas e programas de imunização, realização de partos em hospitais, melhora no padrão de vida, entre outros.
A caixa hoje
Quando foi lançada, a caixa era usada como substituta para o berço, mas como a realidade econômica do país vem mudando, a caixa tem ganhado outras funções, tornando-se um lugar secundário para o sono, onde o bebê pode tirar um cochilo durante o dia. Dados da Kela mostram que, em 2011, 42% dos pais usavam a caixa como cama, número que caiu para 37% em 2017.
Ainda que a caixa tenha importância história, mudanças sociais globais têm causado nova preocupação com a taxa de nascimento no país. Por causa disso, vários partidos na Finlândia têm discutido a possibilidade de oferecer bônus para recém-nascidos e cuidados gratuitos aos bebês para estimular famílias a continuarem tendo filhos.
Iniciativa global
A popularidade da caixa do bebê fez com que o programa fosse adaptado para outros países. De acordo com pesquisadores finlandeses, cerca de 60 país ofertam algum tipo de iniciativa baseada na tradição da Finlândia que também considera as condições e necessidades locais. A maioria dos programas começou a ser introduzido nos últimos três anos, com exceção do Chile, onde funciona há quase uma década.
Segundo a BBC, projetos na região do Mediterrâneo Oriental, por exemplo, são direcionados principalmente a refugiados e desabrigados. No campo de refugiados de Za’atari, na Jordânia, a ONU Mulheres distribui um pacote de maternidade em que as próprias refugiadas produzem os itens e, assim, ainda têm uma renda.
“As caixas do bebê algumas vezes incluem itens como uma rede contra mosquito para a prevenção da malária; camisinhas masculinas e femininas para o planejamento familiar e a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis; ou os chamados kits do parto limpo, incluindo uma lâmina estéril e um grampo de cordão umbilical para garantir partos mais seguros em áreas onde os sistemas de saúde são deficitários”, explicou Annariina Koivu, pesquisadora da Universidade de Tampere, na Finlândia, à BBC.
Essas iniciativas mostram como é importante criar uma sociedade mais saudável e igualitária com projetos inovadores.
Fonte: Veja