Pelé, Rivellino, Tostão, Jairzinho, Gérson. A coleção de talentos era de tirar o fôlego, e o resultado acabou sendo o esperado: Brasil campeão mundial.
Para relembrar o tricampeonato conquistado nos gramados do México, que completa 50 anos neste domingo, O GLOBO publica a partir de hoje, diariamente, análises táticas detalhadas de cada partida daquela inesquecível campanha, começando com a vitoriosa estreia sobre a Tchecoslováquia.
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O primeiro capítulo da jornada rumo ao tricampeonato terminou numa goleada que reflete a diferença técnica entre Brasil e Tchecoslováquia. Mas esconde um jogo com alguns sustos. Não foi tão fácil quanto sugere o placar de 4 a 1, e há uma explicação. Aquele que talvez tenha sido o mais encantador time de futebol que a história já produziu entrou na Copa do Mundo ainda em busca de seu melhor funcionamento. Porque acomodar o que havia de melhor em qualidade técnica significava reunir jogadores que, ao menos em teoria, não pareciam complementares em termos de característica.
O resultado eram craques buscando seu espaço, adaptando-se a funções novas. E o jogo com os tchecos mostrou desafios a superar. Mas também indicou caminhos de um time com recursos de jogo muito à frente de seu tempo.
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Em geral, a reunião de tantos craques afeitos à bola e à criação gera uma preocupação imediata: como defender. A seleção esteve longe de ser totalmente segura. Os tchecos, além de saírem na frente, tiveram suas chances, algumas claras, uma delas quando o jogo estava 2 a 1.
Como Zagallo pretendia acomodar Gérson, Rivelino, Pelé e Tostão? A solução foi fazer de Gérson uma espécie de organizador por trás do time ? o regista, como chamam os italianos. Ele se posicionava ao lado de Clodoaldo numa dupla de meio-campistas ou volantes, como se queira denominar. Como sobravam meias ofensivos que gostavam da faixa central do campo, Rivelino foi deslocado para a esquerda. Mas só em tese. A ponta era apenas um ponto inicial. Sua movimentação, já na estreia, lembrava demais os atuais meias que jogam pelo lado no 4-2-3-1: o tempo todo movia-se para o centro ou mesmo atravessava o campo para buscar o chute de fora da área ou o passe decisivo. Tostão, que no Cruzeiro recebia a bola de frente para o gol, alguns metros atrás da área, iniciava posicionado como um “camisa 9”, mas movia-se para buscar a bola. Demorou a entrar no jogo e encontrar sua zona de influência.
Da ponta-direita partia Jairzinho, também com função de buscar as diagonais para a área e tentar finalizar. Caso se queira, para efeitos de diagrama, desenhar a posição inicial daquele time num 4-2-3-1, Pelé iniciaria como o homem centralizado na linha de três meias. Tinha, também, a função de infiltrar nos espaços abertos por Tostão. A questão é que, pela própria característica dos jogadores, a seleção lidava com o risco de, por vezes, não ocupar a área. Uma falta de profundidade, para usar um termo atual.
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Ainda assim, o time já ensaiava uma mobilidade rara para aqueles tempos. Rivelino obriga o goleiro Tcheco a uma defesa num lance em que recebe a bola no lado direito. Clodoaldo infiltra na área em outro lance criado pela seleção. Mas o gol de empate vem mesmo numa cobrança de falta de Rivelino. Antes do intervalo, Pelé produz uma de suas joias ao arriscar do campo defensivo um chute que passou rente à trave.
As observações táticas chamam atenção num time que acomodou jogadores que poucos imaginavam ver juntos. Mas tamanha reunião de talentos torna natural que a qualidade técnica se torne influente demais. Em especial nas circunstâncias em que se jogava a Copa no México: calor e altitude.
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Há 50 anos, naturalmente os times eram menos compactos do que os atuais e os espaços eram maiores. Havia mais tempo para executar as jogadas, o que está longe de tirar o mérito dos craques de então. No Mundial, conforme os minutos passavam, tais espaços tornavam-se ainda mais amplos. E os mais técnicos se impunham, em especial numa seleção brasileira tremendamente preparada.
Se o primeiro tempo é de Rivelino, o segundo é de Gérson. Dois lançamentos primorosos terminam por sentenciar o jogo. O primeiro, para Pelé esbanjar técnica no domínio e no chute. O segundo, contra uma defesa já grogue e adintada demais para os padrões da época, encontra Jairzinho, que dá um balão no goleiro e faz 3 a 1.
A disposição de acomodar os mais talentosos era tamanha que, quando Gérson pede substituição, é Rivelino quem passa a ser o segundo volante, com Paulo Cézar Caju entrando no lado esquerdo do ataque. Este é assunto para o próximo capítulo, que tratará do espetacular duelo com os ingleses. Quanto aos tchecos, já entregues ao fim do jogo, ainda viram um contragolpe terminar em passe de Pelé e gol de Jairzinho.
Taticamente vanguardista e tecnicamente inigualável, aquele Brasil ainda era um portento físico.
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Fonte: O Globo